Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_
Amanheceu chovendo no
Paranã profundo, onde moro, em Paço do Lumiar, na Ilha de São Luís. Ontem
quando saía de casa pela manhã para votar, chovia. Desde que aqui cheguei, em
14 de junho de 2014, é a primeira vez que chove... Do que estou lembrando, é! E
murmurei: é chuva para fertilizar a chegada de Flávio Dino ao governo.
São gotas de chuva,
ansiosamente esperadas, as palavras do governador eleito Flávio Dino em sua
primeira entrevista, que eu intitulo de “Pelas pessoas que vi sem dentes, sem
ter o que comer...”, pois fiquei particularmente intrigada porque todas as
fotos de candidatos a cargos eletivos no Maranhão estampam um sorriso cheio de
dentes... Num Estado de desdentados.
Honestamente, eu acho
que ter dentes no Maranhão é só pra quem pode, infelizmente! A Síndrome deEstocolmo na política aqui nos fez um Estado de desdentados, sob os 50 anos de
desmandos do Clã Sarney no Maranhão que até os dentes do nosso povo surrupiou!
Não há o que pague um
governador eleito mencionar as pessoas desdentadas em sua primeira entrevista,
pois diz com todas as letras o impacto doloroso e cruel de tal realidade em sua
percepção de mundo... É a certeza de um “+ Dentistas Maranhão”, urgentemente
para que o povo possa sorrir como os políticos: com a boca cheia de dentes!
E Flávio Dino, primeiro governador comunista do Brasil (PCdoB), que é “chuva
que vem rolando, vem chiando,/e o vento assoviando”, disse mais:
"Hoje viramos a página do nosso estado.
Finalmente entramos no século 21. Derrotamos para sempre o coronelismo e o
regime oligárquico maranhense. Vamos viver um tempo democrático e
republicano"...
“Vamos fazer um pacote
especial de providências para as cidades com os menores IDHs (Índice de
Desenvolvimento Humano). Quando eu terminar o governo não vai haver nenhuma
cidade do Maranhão nesse ranking vexatório”...
“Esta é uma vitória que tem o sabor da vontade
do povo. É fruto de uma intensa mobilização popular”...
“Quero agradecer ao
povo simples e humilde, normalmente sem voz e sem vez. Foi esse povo que se
mobilizou e nos levou a essa vitória.” O governador eleito acrescentou que
“viramos a página do nosso Estado. Finalmente entramos no século 21. Vamos
viver ares autenticamente democráticos”...
“É uma vitória
grandiosa, sobretudo pelos que não estão aqui nesta entrevista: as quebradeiras
de coco, os pecadores, os agentes comunitários e muitos outros. Pelas pessoas
que vi sem dentes, sem ter o que comer, pelas pessoas que moram em casas de
taipa. É por essas pessoas que a nossa vitória é grandiosa. Foram essas pessoas
que nos trouxeram até aqui. A voz das ruas vai continuar comandando o Estado.
Serei um governador do povo.”
Sempre tive uma ligação
íntima com a chuva e a considero um dos mais belos fenômenos da natureza e não
dispensava um banho de chuva até há bem pouco tempo... Quando estou na rua e
chove, gosto de ficar molhada de chuva. É sério!
Gosto tanto da chuva
que um dos meus romances recebeu o nome “Então, deixa chover...” (Mazza Edições,
2013). Nele eu disse, pela boca da
personagem Maria: “Trovejava, a chuva começava a cair em pingos grossos e
fortes e da terra em cio subia um cheiro de barro molhado que eu inspirei. Era a
água benzendo a terra e eu me sentia lavada, limpa. Lágrimas escorriam em meu
rosto e se misturavam com a chuva que caía. Tive ímpetos de entrar no carro,
mas para que? Sorri aliviada, parecia que minha mente se abria, se soltava e
meu coração pulsava de modo sereno, quando percebi estava falando alto: ‘Então,
deixa chover...’”
Adoro ler em voz alta
poesias sobre a chuva. Gosto especialmente dos seguintes versos: “A chuva é a
música de um poema de Verlaine...” (“A Chuva Chove, de Cecília Meireles”); e “Vai
chover chuva de vento./ Já estou sentindo um cheiro d'água,/ que vem do céu
cinzento (...) Vai invernar.../ Eu hoje amanheci alegre,/ querendo cantar...”
(“Chuva, de Guimarães Rosa”).
Pois num é que Clarinha
disse-me um dia quando chovia: “Ai, chuva! De chuva eu gosto, né vovó?”
Logo que acordou ontem,
às seis da matina: “Eh vovó vamos logo votar na Dilma e no Flávio Dino!”
Disse-lhe para esperar aguarmos a horta e o jardim. Mas ela estava inquieta:
“Vovó, o Flávio Dino é teu amigo?” Disse-lhe que sim. “Então que dia vou
conhecer o Flávio Dino?” Retruquei: “Ora Clarinha, tu já conheces! Lembra
daquela passeata na rua Grande? Ele estava lá!” E ela: “Ah, é!”
Entrou comigo para
votar carregando a bandeira com a foto do nosso candidato! Na hora em que viu a
foto na urna: “É o Flávio Dino, vovó. Marca logo!” E quando viu a Dilma não se
conteve: “Olha a Dilma!” Disse-lhe: “Vou marcar”. E ela: “Tá booom”, com um
largo sorriso...
É vero, “quem sai aos
seus não degenera!”
Aqui no Paranã profundo, em Paço do Lumiar, na Ilha de São Luís, onde eu amanheci alegre e com vontade de cantar, é 06.10.2014
A Chuva Chove
Cecília Meireles
A chuva chove
mansamente... como um sono
Que tranqüilize,
pacifique, resserene...
A chuva chove
mansamente... Que abandono!
A chuva é a música de
um poema de Verlaine...
E vem-me o sonho de uma
véspera solene,
Em certo paço, já sem
data e já sem dono...
Véspera triste como a
noite, que envenene
... Num velho paço,
muito longe, em terra estranha,
Com muita névoa pelos
ombros da montanha...
Paço de imensos
corredores espectrais,
Onde murmurem, velhos
órgãos, árias mortas,
Enquanto o vento,
estrepitando pelas portas,
Revira in-fólios,
cancioneiros e missais...
CHUVA
João Guimarães Rosa
Vai chover chuva de
vento.
Já estou sentindo um
cheiro d’água,
que vem do céu
cinzento.
As formigas lavadeiras
cruzam o quintal
em filas compridas de
correição.
Minhocas brotam à flor
da terra.
- Eh aguão!…
A chuva vai vir da
banda da serra,
porque o joão-de-barro
abriu a sua porta
virada para o sul.
As sementinhas do
meloso seco
devem estar lançando na
poeira.
Eu não ouvi o primeiro
trovão,
mas o zebu está
escutando,
com a cabeça encostada
no chão.
Três urubus passam no
alto,
em vôo lento,
em reta longa.
Vão para as lapas dos
lajedos.
“Vai fazer tua casa,
Urubu!…
Tempo de chuva aí vem,
Urubu!…”
Já deve estar chovendo
nas cabeceiras da serra,
porque o ribeirão
engrossa, cor de terra.
Vai chover chuva de
vento.
Os bois vêm correndo,
pasto abaixo,
procurando as árvores
do capão.
Vai invernar…
Eu hoje amanheci
alegre,
querendo cantar…
O vento já chegou nas
casuarinas,
e o sapo saiu de
debaixo da laje
para um buraco no meio
do pátio
onde vai se encher uma
lagoa.
- Eh aguão!…
- Olá, José, arreia meu
Cabiúna,
liso do casco à testa,
preto do rabo à crina,
que eu vou sair pelo
cerrado afora,
a galopar, com a chuva
me correndo atrás…
Ela já vem, branquinha,
cheirando a água nova,
e a serra está
clarinha, neblinando…
A chuva vem rolando,
vem chiando,
e o vento assoviando
- Galopa, Cabiúna, que
a água vem vindo,
e as sementinhas do
meloso seco estão dançando…
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