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terça-feira, 26 de agosto de 2014

A musicalidade dos camaroeiros da ilha de São Luís, no Maranhão

   (O vendedor de camarão, Aldo Nunes, 1958)
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_

 
Na semana passada prometi contar sobre as pipiras da minha nova morada, mas aconteceu algo inusitado, e decidi escrever sobre os pregoeiros de São Luís, já que, como afirma o historiador Vicente Salles, os pregões constituem “canto de trabalho” e “voz das ruas”. E são belos!
No domingo passado, num bandeiraço/panfletagem em São José de Ribamar (MA), onde vi pela primeira vez uma linda pipira azul, tive um emocionante encontro com seu Paulo, que quis confirmar se Flávio Dino (PCdoB), candidato a governador do Maranhão, era filho do dr. Sálvio Dino (advogado, várias vezes deputado e ex-prefeito de João Lisboa (MA).



Vendedor de ovos. Quitandeiro. O Doceiro.


Agora estou pensando como a vida é. Parei meu carrinho na porta do seu Paulo, que lá estava sentado numa cadeira. Pedi licença para estacionar ali, no que ele consentiu. Ao sair, de bandeira em punho, disse-lhe: “Vamos votar na mudança, não é?”. Ele riu. Nada respondeu. Não demorou muito, chegou aonde eu estava, na praça diante da casa dele, e puxou conversa: “Flávio Dino é filho do dr. Sálvio Dino, que morava na rua de Santana?”. Ao ouvir que sim, com olhos lacrimejantes, balbuciou: “Senhora, meu pai foi o camaroeiro do dr. Sálvio Dino por anos e anos! Eram muito amigos!”. E engatamos o maior papo. Ao final, ele disse: “Eu e minha família somos 15 votos. Tudo dele! Lá em casa tem água e cafezinho, não se acanhe!”.


Depois conheci a mulher e uma filha dele: “Mulher, aqui em casa todo mundo vai votar nele! Papai está muito emocionado, porque teve a certeza, hoje, de que ele é quem ele pensava. Veja se no dia em que ele vier aqui pode dar um abraço em papai, que lembra quando ele era criança”.

 



   (O vendedor de frutas, Tarsila do Amaral, 1925)
 

Pra quem não sabe ou esqueceu, na ilha de São Luís (formada por quatro municípios: Paço do Lumiar, Raposa, São José de Ribamar e São Luís), camaroeiro é o vendedor de camarão (fresco) de porta em porta, que avisa a freguesia com seu bordão/pregão de musicalidade singular: “Camaroeiro, camaroeeeeeeeeiro, olha o camaroeiro! Camarão ‘fresquim’, freguesa!”
O camaroeiro é um dos muitos pregoeiros de nossas ruas – ambulante que vende seus produtos, anunciando-os de modo peculiar, como bem descreveu Zema Ribeiro em “Canto dos Pregoeiros Maranhenses Ecoa no Rio de Janeiro” (2005): “‘Pregoeiro’ é o nome dado ao ambulante que vende seus produtos pelas ruas, gritando-os, e geralmente fazendo rimas; muito comuns em São Luís, são eles laranjeiros, verdureiros, garrafeiros, doceiros, peixeiros, entre outros”.

 
Imagens engraçadas - Vendedor Ambulante ...
 

Beatrice Borges, em “Pregoeiros: Novo Capítulo na História de São Luís” (2014): “Os pregoeiros, que tinham esse nome porque gritavam pregões de seus produtos, se espalhavam por toda a cidade, e, com o tempo, ficavam conhecidos das donas de casa, se transformando até em amigos para a vida inteira. Os pregoeiros mais comuns de que se tem notícia, no entanto, eram: padeiro, vendedor de frutas, principalmente bananas, jornaleiro, carvoeiro, verdureiro, peixeiro, vendedor de camarão, caranguejo e siri, sorveteiro, vendedor de pamonha, vendedor de pirulitos, vendedor de juçara, além dos vendedores de utensílios como pá de lixo, penicos, lamparinas, espanadores, vassouras e ainda compradores de ferro velho e garrafeiro. Eram todos homens fortes e dispostos, porque há de se reconhecer que era (e é) um trabalho árduo. Os produtos eram levados nas mãos e, quando muito, em carros de mão, que também dependiam da força humana para chegar até seus clientes”.
Na ilha de São Luís, muitos pregoeiros estão em processo de extinção, mas eu carrego na memória a musicalidade deles.

 
   [Vendedor ambulante de frutas, Marc Ferrez (1843 – 1923) 1895]
PUBLICADO EM 26.08.14
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FONTE: OTEMPO

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Sem sossego entre formigas, muriçocas, camaleões e pipiras

01 (DUKE)
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_

 
Respondendo aos muitos e-mails de quem me lê em Minas, que carinhosamente pedem notícias minhas no Maranhão, digo-lhes: estou num entrevero inimaginável com formigas, muriçocas, camaleões; e apenas as pipiras são uma doçura. Estão rindo? É sério! São agruras da vida simples de quem decide morar na zona rural da ilha de São Luís... Nada do idílico tempo de adolescência no povoado Paranã, na Estrada de Ribamar...


   Como se não bastasse a falta de sossego que é uma campanha política no Maranhão contra o clã sem destino: os Sarneys, que a cada segundo fustigam com uma nova tramoia, sem eira e sem beira, a ser desmentida, morta e enterrada, tarefas difíceis, porque em meio século eles “pintaram e bordaram” como exemplares camaleões da política – camaleões são personagens de muitas fábulas, nas quais são apresentados como astutos e pouco confiáveis!

 
 
 
Aqui, em minha área, como se fala no Maranhão para dizer o “meu lugar de morada”, estou pensando que a minha casinha foi erguida sobre formigueiros, tamanha a diversidade de formigas: das pequenitas, quase invisíveis, que vovó chamava “formiga de açúcar”, das pretinhas, das vermelhinhas, chamadas de “formigas de fogo”, e até saúvas! O que fazer para uma convivência pacífica e sem venenos com a correição? Estou quase entendendo padre Antônio Vieira: “Porque as formigas se fazem elefantes, não basta toda a terra para um formigueiro” (“Sermão da Terceira Dominga do Advento”).
Alguém conhece um meio ecológico, além das telas nas janelas e portas, de enfrentar muriçocas – “carapanãs” no Pará e “pernilongos” em muitos lugares? Estou precisando!


   O forro de minha casa é abrigo de uma patota de camaleões! Segundo um moço que retelhou a casa, serviço que já tive de fazer duas vezes em menos de um ano, ele contou seis bichos adultos lá! O camaleão (do grego “chamai”, que significa “na terra, no chão” + “leon”, que significa “leão”) é um lagarto, mas não é iguana...

    Tratados científicos dizem que “todos os camaleões são animais diurnos; a maior parte de suas vidas é solitária, e o hábito solitário só é abandonado na época de acasalamento, quando o macho desce das árvores à procura de fêmeas”. Os meus camaleões vivem em bando, diferentemente do que diz a ciência. Saem do forro quando o sol está a pino, vão comer num matagal próximo e retornam logo! E à noite fazem a festa, numa correria barulhenta que incomoda e dá até medo...
Como afugentá-los ecologicamente? Alguém do Ibama, que os protege, tem uma dica de como não ser obrigada a compartilhar moradia com camaleões? Além do mais, em deferência à minha ancestralidade, o camaleão é um animal sagrado para algumas tribos africanas, pois é tido como o criador dos primeiros seres humanos! Tanto que “nunca é morto, e, quando é encontrado no caminho, tiram-no com precaução, com medo de maldições”. Já na região amazônica, avistar um camaleão é um sinal de bons fluidos, pois é tido como um indicador de boa sorte, e matá-los traz mau agouro! Sendo assim, estou tentando uma convivência harmônica com eles! Garanto que, se não perturbassem a minha sesta e o meu sono noturno, eu os acharia belos!  (Pipira preta)  

   (Pipira verde)

 (Pipra azul ou sanhaço cinzento)

Sobre as pipiras (Tachyphonus surinamus), aguardem! Fiquem com os versos de João do Vale, em sua música “Pipira”: “Mané, tem um viveiro/ Tem passarinho de toda qualidade/ Zabelê, canário, corrupião/ Pipira, sabiá tem azulão// Rosinha, tava brincando/ Pipira, lhe beliscou/ O dedo inchava, ela chorava/ Ai ai, ai dor... Fica o povo comentando/ Mais um que a pipira beliscou/ E tu também tá engordando”...
 
PUBLICADO EM 19.08.14
FONTE: OTEMPO

terça-feira, 12 de agosto de 2014

As ideias feministas fazem toda a diferença nas eleições

01  (DUKE)
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_
 
Sou e estou feminista desde adolescente. É como feminista que participo da luta de ideias nas eleições, convicta de que, mesmo o feminismo não sendo detentor de votos – e jamais oferecerá a qualquer candidatura “tantos votos” de cabresto –, faz toda a diferença no debate eleitoral como ideologia libertária, conferindo a qualquer candidatura um verniz mudancista.
O feminismo não é um balcão de negociação de votos, a exemplo de algumas denominações e seitas religiosas cristãs! Uma candidatura que agrega um polo feminista contará com pessoas alertas aos retrocessos e dispostas ao enfrentamento do fundamentalismo religioso, em defesa do Estado laico.
 




Cabe pontuar que “o feminismo é movimento de mulheres, mas nem todo movimento de mulheres é feminismo”. O feminismo é uma concepção geral de luta contra a opressão de gênero e o patriarcado, que urge ser superado nas sociedades democráticas, atualmente expresso com mais vigor no fundamentalismo religioso centrado nos corpos das mulheres, daí porque é crucial a defesa dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos para a consolidação da República e contra visões teocráticas de Estado! Movimento de mulheres é toda mobilização de mulheres que aborda problemas referentes à situação da mulher na sociedade, tanto com caráter e perspectiva feministas quanto privilegiando as “lutas comunitárias” (contra a carestia, por equipamentos sociais públicos, saneamento básico, transporte, habitação etc.).
 
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A parcela do movimento de mulheres que trata de problemas materiais em si joga um papel essencial na luta pelas “necessidades imediatas de gênero” – as condições materiais de existência (moradia, saneamento, transporte, equipamentos sociais etc.) – e é um caldo de cultura perfeito para o entendimento de que a cidadania feminina exige luta específica.
A parcela feminista luta por condições materiais de existência dignas e tem no horizonte as “necessidades estratégicas de gênero” – as perspectivas de um futuro sem opressão, de equidade entre os gêneros numa nova sociedade. No Brasil, os veios mais dinâmicos do feminismo contemporâneo são as mulheres negras, que tensionam o feminismo a incorporar a luta antirracista; e as trabalhadoras, que forçam o feminismo a não esquecer o antagonismo que há entre os interesses das mulheres da burguesia e das classes populares, como disse a feminista e bolchevique russa Alexandra Kollontai (1872-1952).


Alexandra Kollontai
 
Uma campanha eleitoral é um espaço privilegiado de conscientização de amplas massas, capaz de sensibilizar pessoas em luta dos diferentes movimentos sociais e até aquelas solitariamente indignadas. Mas não só! É um espaço valioso para a conscientização das candidaturas, sejam femininas ou masculinas. Com o recrudescimento do fundamentalismo no mundo, não é simples para uma candidatura assumir, ainda que difusamente, a bandeira dos direitos da mulher. Logo, precisam de instigação, posto que vivemos num país que nunca concedeu direitos às mulheres: nós os conquistamos, todos, com muita luta!

 Recordemos a campanha à Presidência da República em 2010, que foi a mais difícil que vivenciei, pois envolveu exponencialmente os corpos das mulheres e exigiu do feminismo um ativismo monumental, como relatei em artigo especial para o site Viomundo, em 7.10.2010, “Eleições presidenciais 2010: em leilão, os ovários das mulheres!” Iniciei dizendo: “Isso aqui, o Brasil, não é uma colônia religiosa, não é um Reino nem um Império, é uma República!”

PUBLICADO EM 12.08.14
 FONTE: OTEMPO

terça-feira, 5 de agosto de 2014

O fim do azulejo, um ícone belo e antigo de arte decorativa

01  (DUKE)
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_

 
Na semana passada, no Antiquário Azulejos – rua de Santaninha, 258, São Luís (MA) –, soube que não há mais fabricantes de azulejos no Brasil há uns dez anos e que, de lá para cá, comercializavam sobra de estoque, mas agora acabou!
Insisti. A moça que me atendia foi breve: “Só há um jeito de comprar azulejos da linha colonial (antigos) e/ou azulejos fora de linha (fabricados há uns 20 anos), que é em antiquário/cemitério de azulejos, em quantidade pequena e a um preço bem salgado”.
 



mosaico lotus Como Fazer Mosaico   Dicas artesanato   Repeti: “Quero nove metros de azulejos de várias cores: branco, amarelo, azul, vermelho, preto e verde para revestir uma lavanderia com uma arte em azulejos quebrados”. Após dois dias acessando sites e telefonando, a resposta foi igual nas lojas de material de construção: “Senhora, não temos, não se usa mais, saiu de moda! Agora só porcelanato, bem mais barato!”. Senti minha velhice ali. E arrematavam: “Não há mais azulejos como antigamente” (Ai, como sou caduca!).
 
 
Revestir com azulejos antigos
Tanque duas bocas revestido - R$155


Resumo da ópera: não é mais possível revestir banheiro, lavanderia, copa ou cozinha com azulejos, imagina a fachada, como era costume em São Luís! Pras cucuias os valores funcional (proteção contra sol e chuva excessivos) e estético (expressão ornamental, artística e plástica em painéis e revestimento de paredes). Ao processar a dolorosa má notícia, fui ficando sem chão ao constatar que, no mercado globalizado, o azulejo virou obsoleto e foi extinto!
 
 
  (Museu do Azulejo, Lisboa, Portugal)
 
 
Mas como? Por quê? A palavra “azulejo”, do árabe “Al-zulaij”, quer dizer “pequena pedra polida” e remonta às primeiras civilizações, além de ser tão lindo! Quem precisar reformar ambientes azulejados não terá mais como, pois até os cemitérios de azulejos em breve deixarão de existir! Dá pra imaginar o desastre?
 

Sao Luis do Maranhao (São Luís-MA)


Como a gloriosa história do azulejo acaba assim, sem choro e sem vela? De origem oriental, o azulejo para revestir paredes foi disseminado pelos impérios muçulmanos. Os mouros o levaram para a península Ibérica. No século XVI, em Portugal, “a arte de azulejar foi totalmente abraçada e se transformou em expressão cultural nacional”, no formato quadrangular, com 14 centímetros. No Brasil Colônia, azulejos portugueses e holandeses foram incorporados à arquitetura de diferentes modos, mas só no século XIX começaram a ser produzidos aqui.


   Em meu romance “A Hora do Angelus” (Mazza Edições, 2005), cujo cenário é a cidade de São Luís, escrevi: “‘Afirmo-lhe que essa cidade, fundada em 1612, na ilha de São Luís, ladeada pela baía de São Marcos, o estreito dos Mosquitos e o oceano Atlântico, que vai sussurrando do rio Bacanga ao rio Anil, e com seus azulejos e vitrais, é, sim, a França equinocial, a única cidade do Brasil que é genuinamente francesa, mas, ao mesmo tempo, tão lusitana, com sobrados de azulejos portugueses da colônia asiática de Macau e seus mirantes belíssimos. (...) As melhores cidades da França são Paris, na Europa, e São Luís, na França equinocial, com mais de 3.500 edificações, datadas dos séculos XVII e XIX, com suas ladeiras, inúmeros becos e ruas estreitas e praças’. Ele amava o calçamento em pé de moleque, as pedras de cantarias, os sobrados de azulejos e seus mirantes de um romantismo ímpar”.
 
 

 
 
 
Impressionada com o fim dos azulejos, disse ao amigo Rafael Calvão Barbuto, que estava comigo na peregrinação por azulejos, que nunca cogitei não encontrá-los na Cidade dos azulejos. Não imagino um mundo sem azulejos! Em São Luís, a resposta cabe ao poder público: a prefeitura e o governo do Estado têm de manter viva a arte da azulejaria!

 
Como Fazer Mosaico com Azulejo PUBLICADO EM 05.08.14
sao luis 401  FONTE: OTEMPO