Fátima Oliveira
Na sexta-feira na boquinha da noite, regulando umas seis e meia, a turma de Estela, afilhada de Dona Lô, juntamente com Cesinha, apeia na Matinha de Dona Lô e é recebida por ela com abraços e muitas gargalhadas, dizendo que passou a tarde com Maria Helena e Gracinha preparando comes e bebes para a noitada.
Pedro, mal apeou da caminhoneta todo porloche, crente que estava abafando, sem conter o riso, se dirigiu à dona da casa: “Ah, eu trouxe um CD de Marchinhas de Chiquinha Gonzaga pra Vosmicê apreciar... E nem almocei esperando os comes daqui”.
– Caaaaalma, Pedro! Deixe de ser glutão! A noite é longa. Temos muito tempo. Vamos chegando minha gente! Tudo bem, Cesinha? E com vocês, meninada? Nem um cherim na dindinha? Viiiixe, como você está bonita Estela! Oxente, cortou o cabelo que nem o da Dilma, hein?
– E que historia é essa de que Dilma é uma flor de sal?
– Gente, Pedro tá que tá... Preparei uma saladinha de entrada pra nossa noitada pra você compreender o que é flor de sal, meu chapa! Aliás, tem comido muita flor de sal aqui em casa sem saber apreciar direito.
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Árvore da prosperidade, feita de flor de sal (Cimsal) |
– ...
– Parece que esses anos todos alimento você com flor de sal como se estivesse dando pérolas aos porcos... Eh, Estela vai letrar esse homem nunquinha, não? Terminem de arrumar os “teréns” de vocês e venham pro alpendre. Aqui tá correndo uma fresca boa que só! Vamos bebericando enquanto chega a hora do jantar. Maria Helena, minha rosa, traga a saladinha, minha filha! Cadê o CD Pedro? Enquanto termina de chegar, vou começar ouvindo uma musiquinha da nossa Chiquinha...
– Que era uma mulher de verdade! Das porretas mesmo! Abolicionista da primeira hora...
– Deixa de lero aí Estela! Vem ajudar aqui com as coisas dos meninos! Chega e vai logo se abancando, como se não tivesse nada para fazer...
– Está falando comigo Pedro? Estou cansada, meu bem... Vou ficando por aqui com Dindinha. Estou com sede... Vá você! Depois volte pra cá. Cesinha, os meninos querem cavalgar um pouquinho por aqui nos arredores da casa. Não vão pra longe, não! Já é noite, viu? Os cavalos estão prontos. Telefonei da estrada pra Zé Vaqueiro. Vá lá com eles, por favor! E aí, vamos comer o quê?
– Ih, já vi! Que coisa! Vocês só chegam aqui pensando em comer! Há a salada que Maria Helena já vem trazendo. Temos uns petisquinhos básicos que andei inventando. Coisinhas pra degustação. E, claro, uma carninha de sol, que parece estar muito boa. Gracinha está chegando pra finalizar uma Galinha de parida pro jantar. Tá de bom tamanho, não?
Ô ABRE ALAS
Chiquinha Gonzaga (1939)
Ô abre alas que eu quero passar
Ô abre alas que eu quero passar
Eu sou da lira não posso negar
Eu sou da lira não posso negar
Ô abre alas que eu quero passar
Ô abre alas que eu quero passar
Rosa de ouro é que vai ganhar
Rosa de ouro é que vai ganhar
– E aí Pedrão, o que tem a dizer?
– Euuuuuuuuu Dona Lô? De que e sobre o que senhora?
– Qualquer coisa! Prove da saladinha de flores com flor de sal...
– Usando de honestidade intelectual, sem brincadeira, acho que Dilma vem surpeendendo pra muito mais do que o esperado... O jeito dela de ser, o estilo de governar, o gosto dela de administrar o governo “pegando o touro pela unha”, tem agradado a grande mídia. A nativa e a internacional. Ela está se impondo bem.
– ...
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Dilma Rousseff e Hebe Camargo se encontraram no Palácio da Alvorada (24.02.2011Foto: EFE/Folha Press)
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– Sem falar que as elites estão amando comparar o jeito de ser da Dilma com o do Lula. Bobagem sem tamanho! Mas tem dado o que falar. Claro, puro preconceito! Aproveitam pra dizer que Lula não trabalhava, só fazia discursos e viajava. Um bando de... desclassificados. Mas Pedro, o que mais? Pitaque mais um pouco, mestre!
– No episódio mesmo da ida dela aos 90 anos da Folha. Tenho lido tudo o que tem saído a respeito e até agora a minha modesta opinião é que ela acertou em cheio ao comparecer. Claro que tem lá suas complicações, mas o saldo é positivo para a presidenta. Hoje e futuramente. Claro, a blogosfera progressista está caindo de pau. Coisa de inocentes da política. Nem mais e nem menos. Com amigos assim, quem precisa de inimigos? Tá uma coisa sem limites. Estão metendo o aço! Por enquanto Dilma tem problemas a resolver com o fogo amigo, porque o inimigo ainda não conseguiu acender o fogo dele. Oposiçãozinha sem rumo, sem leme...
– Muito bem Pedrão! Continue, mas não pare de comer, não! Prove aqui da linguiça de frango com ervas... Coisa fina, inventada e feita por mim... Também há salsicha de frango.
– O quê? Salsicha de frango? Increduincruz! Essa mulher é cheia de surpresas! Nem gosto da linguiça de frango, que dirá da salsicha! Se bem que comi uma linguiça de frango aqui outro dia e achei muito boa, bem temperadinha, com umas malaguetinhas frescas... Dobrando a língua: quer dizer, não gostava. Agora, depende!
– “Queto” Pedro! Aprenda a degustar os quitutes de Dindinha... Lembre-se: as entradas daqui hoje são finalizadas com flor de sal... Aproveite. Lá em casa tem disso, não!
– É! Então tá. Que jeito, né?
– Assim é que se fala Pedro! Vá comendo e vá falando...
– Pois muito que bem... Onde eu estava minha gente?
–...
– Ninguém prestando atenção... Nem lembram onde parei. Cervejinha aqui Maria Helena! Sua patroa bebe, hein minha filha? Enfim, bonita essa música “Atraente” de Chiquinha... Gosto!
– Vocês tem razão! Flor de sal é “caviar marinho”! Tem preço de caviar mesmo! Tanto o nacional quanto francês... Fazer o quê se Dilma não vai sossegar enquanto todo mundo não puder ter sua cota de flor de sal? Eu não preciso esperar, venho comer a minha cota semanal aqui na Matinha de Dona Lô. E pensar que esse patrimônio todo aqui foi construído no lombo de tropas de burros pelo sertão afora...
– Verdade, verdadeira Pedro! Tudo isso aqui e o que vai ficar pra você e sua mulher gozarem do bom e do melhor veio do lombo das tropas de burros...
– Oh, não diga que somos herdeiros?!
– Não Pedro, só Estela, que é quem resta de minha família, de prole sempre muito pequena. Os Tropeiros eram de poucos filhos. Parte disso aqui é dela quando eu me for. Eu disse: parte! Está escrito em testamento, meu chapa. Logo, cuide bem de mim... Porque se maltratar a velhinha aqui, adeus herança!
– Entendi, entendi. Deixe-me dengar a senhora um pouquinho aqui... Superada a votação do salário mínimo, que não dá ainda pras amplas massas provarem o gosto do caviar marinho... Mas eu espero que um dia elas chegarão lá! Diga-me se meu PMDB não saiu melhor do que a encomenda? Tô gostando do Temer. Eita cabra macho! Sabe domar a tropa. Ali tem! O que é eu não sei... Mas que ele está seguindo um plano, isso está!
– Menos empolgação, viu Pedro! Quatro anos não são quatro dias, não! Ainda temos quatro anos pela frente... Estela, e as comidinhas? Estás gostando?
– Muito Dindinha, gracias! Quero dizer como estou vendo essas coisas. Um olhar mais sociológico. Penso que é uma bobagem jogar Dilma nos braços da matilha sempre que ela não agir conforme desejamos. Nem sempre chefia de Estado pode fazer só o que quer. Tem de visar em primeiro lugar os interessses do Estado que, no Estado burguês, nem sempre coincidem com os interesses populares. Aliás, regra geral o Estado buguês é contra o povo. É da natureza dele ser assim. Ou podemos nos dar o luxo do esquecimento que Dilma se elegeu para chefiar um Estado burguês? Evidente que não, sob pena de sofrimentos inúteis. Ou seja, para mim o nó não é a Dilma, mas o Estado! E ela tem de atuar nos limites da legalidade do Estado burguês.
– Meu Deus, ser marido de mulher inteligente, intelectual, não é nada fácil!
– Ah, é Pedro? Então larga o osso. Vai roer mulher burra!
– Calma, minha gente! Bebamos com moderação! Ainda nem jantamos. Concordo com Estela. Dilma tem lado. E por enquanto nós somos o LADO dela! Eu não tenho e jamais tive ilusões com Dilma ou com Lula. Nem com PT, que é um partido socialdemocrata. O PT só aspira ser um bom gerente da crise do capitalismo. Nem mais e nem menos. E eu não posso esperar dele mais que isso. Cada um dá o que tem. Na discussão da ida da presidenta à Folha, quem está contrariado tem suas razões, embora eu não as considere com a importância que eles estão querendo dar. Dão a impressão, mas estão redondamente enganados, de que sem eles Dilma não teria sido eleita. Isto é passar dos limites, não é democrátrico e é um insulto à autonomia da presidenta, ao seu direito de ir e vir. Falam tanto em democracia e querem colocar a presidenta dentro de uma bolha ideológica particular. Que diacho de democracia, hein? Assim não dá!
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– Evidente que jogaram um papel importante, por dever cívico, por puro patriotismo, ainda acho assim. Ou gente séria queria que o PSDB voltasse ao poder? Creio que não! Vamos cair na real: não exigir de Dilma e de seu partido mais do que eles podem, efetivamente, dar, nos marcos do Estado burguês e do republicanismo! Enfim, não dá pra ter ilusões além dos limites da República burguesa.
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– Evidente que por mim Dilma não teria ido àquela festa. Mas ela deve ter tido seus motivos pessoais e suas razões de Estado para comparecer. E não vou crucificá-la por tal coisa. Prefiro esperar para compreender o inteiro teor da jogada. E se aquilo tudo não era uma festa, mas um enterro, hein?
– Ô língua ferina Dona Lô! Tudo bem que a Folha perdeu, depois de 24 anos, a hegemonia de diário de maior circulação nacional... Mas daí a falar em enterro...
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– Nos preparemos para a chiação de setores feministas mais à esquerda. Dia Internacional da Mulher vem aí. A ordem parece ser nem pronunciar a palavra aborto! É o que se fala pelos becos, pelos botecos... Por sorte de Dilma o 8 de março é terça-feira de Carnaval. Se pra quem sabe ler um pingo é letra, o anunciado por enquanto, que não é de todo claro, as comemorações do 8 de março que serão protagonizadas pelo governo federal, são... assim.. digamos, “quase meia boca”... O que acha Estela?
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Dilma no desfile Galo da Madrugada, em Recife, 13.02.2010
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– É esperar pra ver. Mas a senhora está coberta de razão. A tinta feminista é escassa, escassa. Digamos que tudo foi programado por um viés... O economicista. Não está errado. É uma parte, mas não é o todo. E por não ser o todo, fica capenga. Uma pena que com tanta feminista militante de visão mais ampla, o PT no governo não consiga acertar o passo nessa questão de gênero rumo a uma visão mais global, capaz de incorporar o todo. Digo, uma visão imediata e uma visão estratégica das necessidades de gênero. As duas precisam ser contempladas ao mesmo tempo e nelas incluir o combate ao racismo.
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– Falam de um mês da mulher, com a presidenta em evidência pelo país afora. Imagens que deverão valer por mil palavras. Tudo acertadinho pra começar na Bahia profunda, mais precisamente em Irecê, em 1º de março, quando a presidenta anunciará o aumento da Bolsa Família, cujos valores variam de R$ 22 a R$ 220, de acordo com o número de filhos, dando uma média de R$ 94 por família portadora do cartão – um quase nada que faz toda a diferença na vida dos pobres, bem sabemos não é Dindinha? E no sertão, nem se fala, é maná na vida de nossa gente. Gol de placa, sem dúvida, pois conforme dados do governo 93% dos usuários do cartão são mulheres.
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Dilma pisará o solo de uma região emblemática de contrastes e confrontos da política
e da economia no Nordeste
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– Mas na campanha eleitoral aquela mesma gente do cansei e de laias similares, ostentava nos carros o adesivo: CANSEI DE SUSTENTAR VAGABUNDO! Coisa de gente má que nunca soube o que é comer pastel de imaginação.
– Foi mesmo! Bem, mas ainda não se sabe o aumento de quanto será, mas que vai sair, vai! Falta é burilar e deixar transparente que mesmo a Bolsa Família que é uma política, digamos, de conotação economicista porque integra a ideia mais geral de combate à pobreza das mulheres, sobretudo ela precisa estar envolta de um verniz de necessidade estratégica de gênero...
– Tá falando difícil demais Estela...
– Ah, é? Tenha paciência Pedro! Terá um mês inteirinho pra aprender...
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Dilma Rousseff entre a ministra Miriam Belchior (Planejamento) (à esq.) e o governador de Sergipe, Marcelo Déda, durante cerimônia de abertura do 12º Fórum dos Governadores do Nordeste
[Roberto Stuckert Filho/21.fev.2011/PR]
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Fazenda Matinha de Dona Lô, Chapada do Arapari, 26 de fevereiro de 2011
Receita de salsicha de frango
Ingredientes
500g de carne de frango moída
1 cebola pequena ralada
2 colheres (sopa) de farinha de trigo
1 ovo
Sal e pimenta-do-reino a gosto
Modo de fazer
Em uma tigela, misture o frango, a cebola, a farinha e o ovo. Tempere com sal e pimenta e amasse bem com as mãos. Divida a massa em 6 porções. Abra um pedaço de filme plástico e coloque uma porção formando uma tira. Enrole o filme como rocambole, torça bem e feche as laterais como uma bala. Gire sobre a mesa até ficar bem cilíndrico e lembrar uma salsicha.
Repita a operação e cozinhe os rolinhos em água fervente por 20 minutos. Escorra, desembrulhe e sirva à gosto, inclusive em formato de espetinhos com frutas e legumes.
Galinha de parida com pirão, à moda do sertão: a receita de Jorge Amado
Os sabores baianos, coadjuvantes nos romances de Jorge Amado (1912-2001), transformam-se em personagens principais no livro de sua filha Paloma Jorge Amado.
Com ilustrações de Carybé (1911-1997), A Cozinha Baiana de Jorge Amado (320 p., ed. Record) mescla textos do escritor com o preparo dos pratos descritos em seus livros. A receita abaixo, por exemplo, é degustada em Tereza Batista Cansada de Guerra.
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“A vida me deu mais do que pedi e mereci. Não me falta nada. Tenho Zélia e isso me basta”
Jorge Amado, na foto com a mulher Zélia Gattai |
Ingredientes (para seis pessoas):
Para a galinha:
- 1 galinha inteira com cerca de 2 kg;
- 1 tomate grande;
- 1 cebola grande;
- 1 pimentão;
- 3 dentes grandes de alho;
- 2 colheres (sopa) de vinagre;
- 1/2 molho de coentro;
- 1/2 molho de cebolinha;
- 1/2 colher (sopa) de cominho em pó;
- 1 colher (sopa) de cominho em grão e sal e pimenta-do-reino a gosto.
Para o pirão:
- 1 cebola média;
- 1/2 molho de coentro;
- 1/2 molho de cebolinha e 2 xícaras (chá) de farinha de mandioca.
Modo de fazer:
A galinha: corte a galinha pelas juntas, sem retirar a pele. Pique bem miudinho o tomate, a cebola, o pimentão, o alho, o coentro e a cebolinha. Tempere os pedaços de galinha com os temperos picados, o vinagre, o sal, o cominho moído e a pimenta-do-reino. Deixe tomar gosto por, pelo menos, uma hora. Coloque a galinha numa panela com os temperos, ponha água suficiente para cobri-la e leve ao fogo. Quando a galinha começar a ficar macia, coloque o cominho em grão. Reserve.
O pirão: corte a cebola em rodelas. Pique o coentro e a cebolinha (não muito miúdo). Na tigela de servir, coloque as rodelas de cebola, o coentro e a cebolinha picados e a farinha de mandioca. Misture. Jogue por cima o caldo fervente do cozimento da galinha – não coloque pouco, devem ser pelo menos três conchas de uma vez só – e vá mexendo com uma colher de pau. Acrescente caldo até a farinha ficar toda molhada. Sirva em seguida com a galinha.
Receita de Nazareth Costa, do livro A Comida Baiana de Jorge Amado, de Paloma Jorge Amado.
(Extraído do livro Reencontros na travessia - a tradição das carpideiras, p 249-251, de Fátima Oliveira).
Sinopse: O olhar da autora sobre as carpideiras resgata um tipo de sabedoria brasileira: vindo do sertão e renovado por gerações de mulheres. Vale a pena destacar que esse olhar é de uma médica, feminista e cronista atenta aos movimentos sociais. Antes de mais nada, porém, deve-se ressaltar que trata-se de um olhar generoso que abre espaço para o dizer sábio de pessoas humildes. Através desta porta aberta, pode-se perceber que as personagens só podem ser íntimas do momento da morte porque mantêm um pacto firme com a vida que elas defendem amando e lutando de modo aguerrido. As carpideiras, que choram e cantam para encomendar almas ao outro mundo, possuem filosofia própria e certeira contra a dureza do dia-a-dia e a favor da alegria.
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