Fátima Oliveira
Voltando da Matinha de Dona Lô, ela, a própria Lô, embevecida pela paisagem da estrada, ria. E como ria! “Nada como um dia depois do outro e uma noite no meio”, pensava. Esse magote de jornalistas que, por bem dizer ontem, se recusava até a mostrar quem declarava voto em Dilma, hoje está comendo aqui na nossa mão e correndo atrás de nós, que nem fogo no aceiro, querendo “cobrir” nossa viagem para a posse de Dilma. Ai, ai... E, ainda por cima, oferecendo mundos e fundos para garantir a exclusividade! É por essas e outras que essa gente me dá asco! Ehehehehe, quer dizer que nós aqui nesses cafundós onde Judas perdeu as botas viramos atração midiática? Booooooooom, não? É, e não é! Mas que infla o nosso ego, isso infla!
– Ô Memélia, é uma diligência, junte as mulheres hoje à noite lá em casa. Vamos tomar um café com bolo frito e chapéu-de-couro, daqueles que só Gracinha sabe fazer e todo mundo adora! Quero contar um “sucedido”. Bom ser depois da novela, minha rosa, que a bicha é ruim que só o diacho, mas o povo gosta, não tem jeito!
– Dona Lô! Mulher você num disse que só voltava da fazenda amanhã? Que bicho lhe mordeu lá pra ter voltado hoje? Aí tem! O que foi dessa vez?
– Nada Memélia! É que tô preocupada com nossa viagem.
– Mas vamos fazer é hoje o sorteio de quem vai no ônibus pra Brasília?
– De jeito maneira! Só quero ter uma conversa. Coisa de causar espanto! “Pucardi” de Dilma viramos celebridade de uma hora pra outra. Se papai fosse vivo diria: “Donana fez escola”. Ele dizia que mamãe nasceu de bunda pra lua: “Dos cafundós do sertão para o Circuito Elizabeth Arden, coisa que é só pra quem pode e não pra quem quer”.
Quando ela saiu, Memélia, com as mãos nas cadeiras e de olho espichado vendo a caminhoneta na curva, disse para si: “O que será?!” E ali ficou “encanfinfada”. “Fazer o quê, né?” E se lançou à tarefa de mandar o recado para as mulheres, que à essa hora, quem tinha menino pequeno devia estar dando o “dicumê” pra “bacurizada”; e, outras se preparando pra Novena e a Ladainha na capela. Pensou logo que o tempo era curto. Tinha de fazer tudo ligeirim, ligeirim...
Era botar a rádio nagô pra funcionar azeitada. Ela dava o recado para as duas casas ao lado e as duas defronte da sua e dizia: “Passar pra frente, jazim!” Daí então, cada uma contava para a casa ao lado. Em menos de meia hora estaria todo mundo ciente. Sempre foi assim. É a radio nagô da Chapada do Arapari: o boca-a-boca, que não falha nunca e se espalha que nem rastilho de pólvora! E assim, foi!
Mal terminou a novela dita das oito da noite, a mulherada começou a chegar na casa de Dona Lô!
– Ô Gracinha, tá tudo arrrumadinho aí? Quer ajuda, minha filha? Já “tacou” os bolinhos no tacho? Ah, já?! Dá pra todo mundo se fartar? E o refresco de abacaxi, ficou bom?
– ...
– Ah, não precisa? Então, está bem! Terminando, deixe tudo aí na mesa, quem quiser que se sirva à vontade. Venha pra cá também e se abanque que vamos conversar.
– E aí Mãe Zefinha, toda “porloche”, hein? Mulher, quando eu tiver a sua idade, quero estar firme e forte como a senhora. Benzadeus quanta energia boa! Tá comendo os docinhos que fizemos lá na Matinha? Tudo de bom, não é? Quando ela saiu, Memélia, com as mãos nas cadeiras e de olho espichado vendo a caminhoneta na curva, disse para si: “O que será?!” E ali ficou “encanfinfada”. “Fazer o quê, né?” E se lançou à tarefa de mandar o recado para as mulheres, que à essa hora, quem tinha menino pequeno devia estar dando o “dicumê” pra “bacurizada”; e, outras se preparando pra Novena e a Ladainha na capela. Pensou logo que o tempo era curto. Tinha de fazer tudo ligeirim, ligeirim...
Voltando da Matinha de Dona Lô, ela, a própria Lô, embevecida pela paisagem da estrada, ria. E como ria! “Nada como um dia depois do outro e uma noite no meio”, pensava. Esse magote de jornalistas que, por bem dizer ontem, se recusava até a mostrar quem declarava voto em Dilma, hoje está comendo aqui na nossa mão e correndo atrás de nós, que nem fogo no aceiro, querendo “cobrir” nossa viagem para a posse de Dilma. Ai, ai... E, ainda por cima, oferecendo mundos e fundos para garantir a exclusividade! É por essas e outras que essa gente me dá asco! Ehehehehe, quer dizer que nós aqui nesses cafundós onde Judas perdeu as botas viramos atração midiática? Booooooooom, não? É, e não é! Mas que infla o nosso ego, isso infla!
– Ô Memélia, é uma diligência, junte as mulheres hoje à noite lá em casa. Vamos tomar um café com bolo frito e chapéu-de-couro, daqueles que só Gracinha sabe fazer e todo mundo adora! Quero contar um “sucedido”. Bom ser depois da novela, minha rosa, que a bicha é ruim que só o diacho, mas o povo gosta, não tem jeito!
– Dona Lô! Mulher você num disse que só voltava da fazenda amanhã? Que bicho lhe mordeu lá pra ter voltado hoje? Aí tem! O que foi dessa vez?
– Nada Memélia! É que tô preocupada com nossa viagem.
– Mas vamos fazer é hoje o sorteio de quem vai no ônibus pra Brasília?
– De jeito maneira! Só quero ter uma conversa. Coisa de causar espanto! “Pucardi” de Dilma viramos celebridade de uma hora pra outra. Se papai fosse vivo diria: “Donana fez escola”. Ele dizia que mamãe nasceu de bunda pra lua: “Dos cafundós do sertão para o Circuito Elizabeth Arden, coisa que é só pra quem pode e não pra quem quer”.
Estrada florida [davilarts] |
Era botar a rádio nagô pra funcionar azeitada. Ela dava o recado para as duas casas ao lado e as duas defronte da sua e dizia: “Passar pra frente, jazim!” Daí então, cada uma contava para a casa ao lado. Em menos de meia hora estaria todo mundo ciente. Sempre foi assim. É a radio nagô da Chapada do Arapari: o boca-a-boca, que não falha nunca e se espalha que nem rastilho de pólvora! E assim, foi!
Mal terminou a novela dita das oito da noite, a mulherada começou a chegar na casa de Dona Lô!
– Ô Gracinha, tá tudo arrrumadinho aí? Quer ajuda, minha filha? Já “tacou” os bolinhos no tacho? Ah, já?! Dá pra todo mundo se fartar? E o refresco de abacaxi, ficou bom?
– ...
– Ah, não precisa? Então, está bem! Terminando, deixe tudo aí na mesa, quem quiser que se sirva à vontade. Venha pra cá também e se abanque que vamos conversar.
– E aí Mãe Zefinha, toda “porloche”, hein? Mulher, quando eu tiver a sua idade, quero estar firme e forte como a senhora. Benzadeus quanta energia boa! Tá comendo os docinhos que fizemos lá na Matinha? Tudo de bom, não é? Quando ela saiu, Memélia, com as mãos nas cadeiras e de olho espichado vendo a caminhoneta na curva, disse para si: “O que será?!” E ali ficou “encanfinfada”. “Fazer o quê, né?” E se lançou à tarefa de mandar o recado para as mulheres, que à essa hora, quem tinha menino pequeno devia estar dando o “dicumê” pra “bacurizada”; e, outras se preparando pra Novena e a Ladainha na capela. Pensou logo que o tempo era curto. Tinha de fazer tudo ligeirim, ligeirim...
averequete |
Quando ela encerrou o seu discurso foi aplaudida por todo mundo sob os gritos do “Já ganhou! Já ganhou! Já ganhou! Aaêêêêêê!...”
“É minha gente, o ônibus agora só tem 44 lugares, pois Mãe Zefinha já garantiu o dela, pelo visto”, disse Memélia. E acrescentou: “E aí, Dona Lô, desembuche logo que estamos na maior aflição querendo saber qualé a astúcia”...
– Tem astúcia não, gente! Hoje recebi uma proposta, de corpo presente, sobre a viagem. Mandaram a emissária atrás de mim lá na fazenda! E quando estava vindo pra cá duas televisões telefonaram sobre o mesmo assunto e praticamente oferecendo as mesmas coisas. Resumindo, estão querendo pagar TUDO de nossa viagem pra Brasília, a troco de fazerem reportagens para a TV e até para jornais...
– Como assim Dona Lô? Num entendo dessas coisas! Esquisito demais, minha gente! Vamos viajar com nossos trocadinhos e agora tem gente querendo até pagar pra gente ir? É isso? E vão ganhar o quê com isso?
“Ora Eliete, ganham com a propaganda da audiência que nossa viagem terá! Não sei explicar, mas é isso! É assim que funcionam jornais e TV”, disse Dona Lô.
– Tá bem, mas pode dizer certinho como é que são essas propostas? Nossa viagem vai virar um “bigbodi”. Increduincruz, Vixe Santíssima!
– Geeeeeeente, eu disse à jornalista, enquanto tomávamos café com bolo frito na cozinha lá da Matinha, que nossa viagem é um desejo e não um negócio! Assim pensava e penso. Mas trouxe a proposta dela para o conhecimento “doceis”. Temos de tomar uma posição. Temos de dar uma resposta! Ou essa gente não nos deixará em paz. Ao bem da verdade, a ideia da viagem para a posse de Dilma tirou a Chapada do Arapari do anonimato, do esconderijo, do esquecimento e correu mundo. Saiu em vários jornais. Adeus sossego!
– ...
– Há 3 grupos de TVs, dois dos quais têm jornais, que querem “comprar” os direitos de divulgação de nossa viagem. As propostas são iguaizinhas! Pagam o ônibus, nossas despesas de viagem e a hospedagem em Brasília, desde que só elas, cada uma delas, possam conversar, fotografar e filmar a gente, a hora em que quiserem, durante a viagem, na ida e na volta, e em Brasília. Estão entendendo? Cada uma quer exclusividade. É isso que temos pra pensar e resolver hoje. Tô abusada dessa gente em meu pé d’ouvido.
Aí foi o maior burburinho, que demorou a cessar.
“E o que pensa disso Dona Lô? É bom ou ruim?“, indagou Marta, complementando: “Acho que a gente num sabe muito como fazer nesse caso. Por um lado é bom, já que a gente num vai gastar nada do nosso. Por outro, deu pra ver que a gente fica na mão dessa gente, fica todo mundo no aperreamento. E isso tira os gracejos de nossa viagem. Mais ainda, pergunto eu: precisamos disso?”
Emendou Das Dores: “De que paguem pra gente ver a posse de Dilma? Tô no desacordo! Aí tem! 'Não assino em carta fechada!' Sem falar que 'Quando a esmola é grande, o cego desconfia!' Ora, vamos ver Dilma pela nossa vontade, com o nosso dinheiro que ganhamos suando, trabalhando de sol a sol. E mandando em nossa semana! Se quiserem ver nossa viagem, que botem os carros deles na estrada e vão no comboio pra ver Dilma e pronto! E aí a mulher que quiser mandar seus recados, na televisão ou nos jornais, que fale na hora que bem entender, sem dever obrigação a Seu Ninguém, né não?”
Foi outra rodada de burburinho. Demorado. Dona Lô até levou Mãe Zefinha para pitar seu cigarrinho de palha no saguão. Até que Memélia, depois de cochichar com todo mundo, falou: “Não impediremos ninguém de noticiar nossa viagem, mas exclusividade, não! Na minha curta compreensão, isso tira a liberdade da gente e isso não queremos nunca. Somos mulheres libertas!”
Chapada do Arapari, 03 de dezembro de 2010
CHAPÉU-DE-COURO
É um bolo de panela ou frigideira muito comum no Nordeste. Pode ser feito com fubá de arroz ou de milho, mas também com farinha de trigo ou massa de milho verde. Na Fazenda Matinha de Dona Lô é feito exclusivamente com fubá de arroz fresco. Isto é: moído na hora! Simples de obter esse fubá: deixa-se o arroz de molho numa bacia d’água à noite e pela manhã, é só escorrer e passar no moinho!
Ingredientes:
150 g de açúcar
450 g de massa de fubá de arroz
1 pitada de sal
250 ml de água ou leite
1 ovo
Açúcar para polvilhar à vontade
Canela em pó para polvilhar à vontade
Modo de fazer:
Colocar o açúcar, ovo, água ou leite e mexer bem até homogeneizar;
Acrescentar o fubá de arroz, mexendo bem;
Pode ser frito até dourar numa panela com óleo bem quente ou numa frigideira;
A quantidade de massa que vai para a fritura é uma concha de cada vez (CADA CONCHA VIRA UM BOLO!); e
Polvilhar com açúcar e canela em pó
(Rende 8 grandes ou 16 pequenas)
Eu realmente estou apaixonada por essas guerreiras da Chapada do Arapari
ResponderExcluirDoan Lô vc é o cão chupando manga, viu mulher? ADOREI
ResponderExcluirTEnho gostado imensamente de Dona Lô! Parabéns pela inspiração
ResponderExcluirSem palavras
ResponderExcluirDona Lô, se você continuar dando essas receitinhas sertanejas vou ficar que nem um "bujão". Mulher, estou fazendo todas. Fiz o chapéu-de-couro, com massa de arroz fresca, iscritim a da Fazenda Matinha de Dona Lô e ficou supimpa. Uma amiga fez de fubá de arroz industrializado e segundo ela ficou perfeita
ResponderExcluirRealmente Fátima, Dona Lô está demais.
ResponderExcluirRecebi o link de uma amiga. Adorei conhecer Dona Lô! De verdade, verdadeira
ResponderExcluirDoutora,
ResponderExcluirA Dilma não vortou mais a nossa Minas Gerais. Esqueceu de nóis. Na campanha não saia daqui, todo santo dia tava aqui. Falava que nem nóis. Pramodeque ela mudou tanto? Só queria os votos dos mineros. Esta gaúcha que vá tomar o chimarão dela e gozar do baita avião que ela vai comprá com nosso dinheirinho e nóis vai pagar. Nós fica aqui com nossas broas que são bem miorzinhas.
Um abraço,
Jesus Ferraz Barbosa
Com exceção desse "puxassaquis..." exagerado e feminismo radical, está lindo. Vou ler e encantar outras vezes. Salvei na área de trabalho. Parabéns, permita-me, Fatinha.
ResponderExcluirCara Fátima Oliveira, genial a Dona Lô
ResponderExcluirDona Lô é uma arretada que ainda nos divertirá muito mais, pois é uma mulher com Dilma, mas não tem papas na língua e não deve homenagem e nem mulheragem a SEU Ninguém! É esparar pra ver.
ResponderExcluirSimplesmente amei a Dona Lô e suas mulheres guerreiras e dilmistas. Entendi que Dona Lô será uma especie de anjo-da-guarda de Dilma. Nota dez pela ideia
ResponderExcluirUm relato MARAVILHOSO
ResponderExcluirDona Lô e um encanto de pessoa. Parabéns
ResponderExcluirConto-poema, puro! Fiquei fascinada com a história e com a estradinha florida
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