Na Chapada do Arapari o assunto é a posse de Dilma Rousseff

Fátima Oliveira


Dona Lô e Estela, sua afilhada, tomavam café bem cedo da manhã. Pedro e as crianças ainda dormiam. Estavam cansados, pois chegaram bem tarde na noite anterior. Eles não perdiam o dia 8 de dezembro na Chapada do Arapari, os festejos da Nossa Senhora da Imaculada Conceição de Maria.
Dona Lô, mirando a lauta mesa de café de dia de festa – suco de maracujá, suco de couve com laranja, coalhada, beiju, cuscuz de milho, cuscuz de arroz, bolo frito, leite e café – sentiu uma saudade enorme de sua mãe e uma lágrima escorreu em sua face... Pra disfarçar, entabulou conversa.

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– Não há quem paga alegria das mulheres rumo à posse de Dilma. É ou não é Estela?
– Dindinha, elas não falam em outra coisa. Estão impregnadas do cheiro dessa viagem. Desde a Goiabada de Novembro elas não falam em outra coisa.
– Na verdade é desde o dia em que Dilma ganhou. Quando eu disse que iríamos à Brasília a mulherada vibrou. Os maridos nem tanto, mas nenhum chiou. Passada a festa da capela, vamos fechar a viagem. Decidir quem vai. Faremos um sorteio. Todas estão de acordo. Assim disse Memélia, a nossa líder. Aqui não se faz nada sem ela à frente. É quem resolve tudo pro povo por aqui.
– E o financiamento da viagem, será feito como?
– Ora Estela, com o trabalho das mulheres! Sempre quando vendemos os porcos a metade do dinheiro é minha. A outra metade é de quem teve o trabalho de criar os porcos. Sempre foi assim. A cada uma, segundo o seu empenho. É justo! Vai ser uma bolada boa de dinheiro. Elas vão ficar montadas na bufunfa.
– E a senhora também, não é?
– Agora, não! A minha parte vai custear a viagem.
– Mas não ia trocar a sua caminhoneta quando vendesse a porcada de Natal? Lembra que falou isso?
– Águas passadas Estela. Vou ficar mais feliz com a alegria das mulheres pela viagem do que se eu comprar uma...


FLORES DA LUZIA (João Barcelos)

– Hillux!
–  Xiii, essa aí eu nunca quis ter uma. É bonitona e enche as vistas. Mas é esnobe demais. . Eu acho. Gosto de carro bom, porém mais simples. Uma “SVezinha” bem equipada já tá boa até demais da conta. Gosto muito da minha, mas a bichinha já está bem sambada e dando muita oficina. Comprei quando cheguei aqui. Como ando muito sozinha por aí, preciso de uma nos trinques, que não me deixe na mão. Você viu Estela como minhas rosas estão uma beleza? Levantei no raiar do dia e preparei os buquês para a capela. Gracinha foi levar antes da primeira missa, a de seis horas, e disse que deixou tudo um brinco. Pedi a Cesinha que tirasse umas fotos. Quero guardar. Sabia que o padreco chegou e se arranchou na casa de Memélia? Ela mandou um recado ontem à noite eheheheh...
– Ah, e foi? E aí, a senhora vai ou não à missa?
– Ora Estela e eu sou lá barata de igreja? Mamãe era. Eu nunca fui...
– Dindinha e como foi o começo dos festejos?



– Quem sabe é Gracinha que foi todos os dias, não é Gracinha? Conte aí. Mate a curiosidade de Estela, por favor...
E ela não se fez de rogada:
– Ah, minha santa, só coisa fina. No dia 29 de novembro durante a tarde toda enfeitamos a frente da capela com aquelas bandeirinhas e quase no finzinho da tarde começou a Novena e a Ladainha. Daí então, toda seis horinha da tarde: as rezas. Ontem, foi a abertura do arraial na frente da capela. Mas chegou gente, muita gente, tanta gente que o largo da capela na hora do leilão das galinhas cheias ficou coalhadinho, coalhadinho de gente, que mais parecia um formigueiro.
– Ah, isso foi mesmo! Eu vi daqui de casa. Estava bonito demais!

 

Gracinha continuou: “Acho que a Memélia vai ficar montada na bufunfa porque Cesinha, que foi ajudar na venda dos armadores de rede ontem à noite, a ‘dez conto’ cada lugar de rede, disse que quase deu briga porque muita gente ainda queria lugar para dormir e não havia mais! Eita desmantelo se desse uma briga com aquele galpão lá entupido de gente! Começou a encher desde a segunda-feira à noite, com a chegada de muitos homens que vieram pagar promessa de cortar o pau pra fazer o mastro e ajudar a levantar...”
Dona Lô se intrometeu: “É verdade! Cada ano vem mais homens pra escolher a árvore, lavrá-la e levantar o mastro... É engraçado como essas tradições ainda têm muita força”.

– É a força da fé Dona Lô! O povo acredita, então não se acaba. Pois bem Estelinha, aí enfeitamos o mastro com flores de papel crepom e muita fita de seda, que ficou de fazer gosto, uma beleza! Aí tivemos o levantamento do mastro. Um foguetório que foi só alegria! Como já disse, todo santo dia houve a Novena e a Ladainha de Nossa Senhora. Viiiixe, quase esquecia de falar na procissão. De fazer gosto “mia fia”! A santa passou nas três ruas daqui, abençoando o povo. Terminada a procissão, já era hora da rezação, só coisa de emoção, pois uma ladainha bem puxada é coisa bonita! Depois, o arraial, com as barraquinhas e o leilão. Isso tudo ontem. Tudo de bom! Deu um movimento muito forte. O resto, hoje você vai assistir, né “mermo”?
– Não tem jeito, história contada por Gracinha você ouve duas vezes... Ô canseira!

Imaculada Conceição by LUZciana

– E Dona Lô, vai ou não dar uma chegadinha na capela?
– Tá bestando, viu Gracinha! Falando nisso, já colocou minha cadeira lá na calçada? Estou prontinha pra ficar apreciando o movimento do povo zanzando.
– Dindinha, esse padreco vai ter de se aprumar. Você viu o papa sobre a “camisinha”? Recuou muito, não foi?
– Que recuou Estela?! Muito me admira você achar que é recuo. Apenas se rendeu às evidências que em negócio de sexo tanto faz papa falar como não falar, dá na mesma... “Tudo como dantes no quartel de Abrantes!” Só porque o papa disse que usar camisinha na relação sexual com “mulher da vida” pra evitar doença não é pecado? Sou trouxa não, minha gente! Conheço esse Vaticano de outros carnavais! Não viu agora na eleição de Dilma o que esse papa fez? Pediu voto pra Serra! Passa dois dias e inventa essa de liberar uma “frechinha” para o uso da camisinha? Aí tem!


– Acho que é um recuo, já que era proibido usar camisinha de qualquer modo...
– Bobagem! Pura bobagem! Proibido por proibido agora, quando Seu Ninguém dava a mínima importância e nada, dá no mesmo. Ou não? Agora há uma vantagem, a Igreja acabou por reconhecer que sexo não é só pra procriar, é também pra vadiar, eheheheheh...
– E a senhora viu ou leu sobre o que Dilma disse sobre as mulheres no ministério dela?
– Não. Pois diga!
– Foi numa entrevista à TV Brasil. Nada ruim. Mas nada bom. Médio. Confundiu alhos com bugalhos. É a falta de uma assessoria feminista. No mínimo, uma de gênero. Precisa ter. Lembra que a deputada federal Luiza Erundina quando foi prefeita de São Paulo (1989-1992) também não era feminista, mas não mijou fora do caco? Tinha noção. Ela se cercou de mulheres que entendiam do riscado na Coordenadoria da Mulher da Prefeitura, que ela criou. Foi sábia!
– Ai, que arrelia! Diga logo! O que Dilma falou?
– Taqui em minha bolsa. “Peraí”! Vou buscar rapidinho.


FLORES NA VARANDA (João Barcelos)

– Imprimi para dizer timtim por timtim: DILMA QUER MAIS MULHERES NO GOVERNO, MAS DESCARTA COTAS – “A presidente eleita Dilma Rousseff (PT) afirmou ontem, em entrevista à TV Brasil, que tem interesse em aumentar a participação das mulheres em seu governo, mas que isso não significa ‘criar cotas’. ‘Tenho todo interesse em ocupar os quadros ministeriais com muito mais mulheres, mas também não vou fazer regime de cotas. Se as mulheres forem maioria é porque foram competentes’. Dilma disse ainda que poderá manter alguns dos ministros do governo de Lula, mas evitou adiantar em quais áreas”.
– Você tem razão. Ela confundiu cotas com paridade de gênero. E não precisava meter essa coisa de competência no meio porque, pelo andar da carruagem, ela montará um ministério com predomínio de homens. Eles são maioria na política em todos os partidos. A tendência dos partidos é indicar mais homens que mulheres. Então significa que eles são mais competentes que as mulheres? Foi mal! Pula, Estela! Faltou traquejo. Mas não há de ser nada. Ninguém nasce sabendo, mas tem de querer aprender. Daqui pro fim do mandato ela ficará doutorada. É, a vida ensina! E como!



Ouviram bater palmas na porta da rua.
– Ô de casa!
– Ô de fora, quem é?
– Dona Lô, é o Joaquim Magarefe!
– Pois não Seu Joaquim, pode entrar! Que ventos o trazem assim cedo, homem de Deus?!
– Vim vê se vamos negociar a porcada!
– Ah, bom! Espere um pouco. Vou pegar uma fresca aí na calçada e a gente conversa. Gracinha, meu anjo, leve uma cadeira lá pro moço e pegue meu laptop lá no quarto que estou com tudo nele...
Aboletados, cada um em sua cadeira, depois dos cumprimentos iniciais Dona Lô, assessorada por Cesinha, elenca o que tem pra vender: “Os animais estão espalhados aí pelas casas. Tem de pegar em cada casa, como de costume. Dou a lista e você vai com seu caminhão pegar, certo? Venda ‘em pé’. Porteira fechada. O peso que der em sua balança é só multiplicar pelo preço. São 90 leitoas, isto é, entre leitões e leitoas, desmamados depois de 25 a 30 dias, o que garante que não são estressados e a carne é livre de toxinas. Então temos desde que pesa vivo de 15 até 20 a 25 quilos; duzentos porcos, um pelo outro uma média de dez arrobas (ou seja, cento e cinquenta quilos, cada). Vou receber o dinheiro direto no banco. Nada de cheque! Não vendo carne em cheque, você me conhece!”.
– Pois bem, vamos fazer uma média: as leitoas a quilo e os porcos na arroba, está bem, Dona Lô?
– “Justo que só boca de bode!” Negócio feito quanto ao peso. E o seu preço Seu Joaquim Magarefe?
– Melhor do que o meu não vai achar Dona Lô!
Entre gargalhadas acertaram o preço. Nisso chega Pedro, marido de Estela: “E aí, endinheirada Dona Lô? Vendeu a porcada? Como vai Seu Joaquim Magarefe?
– Aqui conforme Dona Lô manda. O senhor sabe, essa mullher é sabida demais. Tudo é só nos conformes dela. Fazer o quê, se os porcos dela são de primeira, né não?
– De primeira e além de tudo criados livres e cevados no milho e no cuim! Porcos orgânicos! Hoje mesmo vamos comer uma leitoazinha assada no forno. Pedro vai fazê-la à pururuca, no jeito! Pense numa comida boa!...
– Pois é Dr. Pedro, ela inventou isso de porco orgânico e pegou! Valorizou a criação dela. Eita mulher danada de sabida, muito mais que Donana. Ora se é!
– Então Dona Lô, agora a porcada virou grana, falta vender as galinhas, né?
– Ih Pedro, meu filho, essas daí já estão quase todas vendidas. Quem tá cuidando disso é Gracinha. As galinhas, deixo com ela. Aparece o comprador e as mulheres a chamam para fechar o negócio. Já vendemos pra mais de duzentas. Cada mulher já está com o quê é seu. Os perus de Dona Aurora, já viraram dinheiro também, mas é só dela. A criação de peru caipira é particular dela. Dá muito trabalho criar os diachos desses perus, portanto é só ela quem cria. Nossa caixinha pra Brasília só cresce... Vamos viajar como rainhas. Se dinheiro fizer de nós rainhas, pois saiba que já somos. Já temos o de pagar o ônibus e a hospedagem em Brasília. O “dicumê” da estrada é por conta de cada uma. Geeente a capela tá que tá movimentada. Eita coisa bonita!
Eis que chega Cesinha respirando apressado. “O que foi menino? Desembucha logo, correio da má notícia!”
– Pucardiquê... Ô Dona Lô, sabia que deu quase sessenta batizados e trinta e cinco casamentos?
– Não! Mas tô sabendo agora. Isso tudo? O padreco vai “encher as burras” hoje de tanto dinheiro! Que faça bom proveito, pois é só esse o dinheiro que vai levar daqui hoje. A ordem aqui é curta: quer dinheiro, então trabalhe! Dinheiro da festa mesmo ele não vai ver nem o azul! Menino, tu és o cão de danado, pois saiu daqui e eu nem vi! Quer dizer então que tá animada a coisa por lá, não é?
– Se tá! Até o Zé da Égua tá casando com a filha de Pedro Sena, aquela zarolha, metida a “piriguete”, meia “sirigaita”, das perninhas finas de “pipira”!
– Mas que bom! Agora que arrumou mulher vai deixar as éguas em paz por aqui! Estou feliz pelas éguas.



Todo mundo gargalhou e Seu Joaquim Magarefe aproveitou para se despedir.
– Sabia também que ontem à noite deu até briga por armador de rede? A santa de Dona Memélia tá “montada nos corrós”. Dois mil reais só de venda de armador de rede, isso foi só a renda de ontem! E a santa vai fazer o quê com tanto dinheiro, meu Deus do céu? Pra quê santa quer dinheiro?
– “Deixequeto” Cesinha e olhe a perguntação besta! Pra que quer saber? Não é de sua conta. Só da santa e ponto final, sô! Busca ali uma cervejinha com um tira-gosto, que eu não saio daqui por nada no mundo. Quero ver a saída dos noivos! Ande logo, sô! Não bastasse aquele magarefe sem noção vir fazer negócio aqui em dia de festa e eu tive de ficar perdendo tempo dando atenção pra ele; e a festa troando ali e eu sem poder ver direito. Traga um copo pra Pedro também! Quer, não quer Pedro?
– Ora se quero!
– Então, Viva Dilma!

Chapada do Arapari, 8 de dezembro de 2010

Família Dilma Rousseff em 1950: (LR) irmão Igor Rousseff, a mãe de Dilma, Dilma Vana (em pé), Zana (frente), e pai Petar Rousseff

 


LEITOA À PURURUCA

Ingredientes:
1 Leitoa (ou leitão)
Sal fino
Limão
Papel alumínio
Assadeira com grelha de madeira (improvise colocando um ripado de madeira dentro de uma assadeira comum ou ainda aqueles descansos de panela de madeira)


MODO DE FAZER
• Abra a barriga do leitão, espalmando ele e tire as vísceras e lave bem.
• Espalhe sal fino e suco de limão em todo o leitão.
• Proteja as extremidades com papel alumínio.
• Leve o leitão para assar em forno caseiro em 250º de barriga para cima.
• Quando estiver bem corada a extremidade da barriga, virar com a pele para cima e pincelar um pouquinho de banha ou azeite.
• Não pincele as orelhas.
• Deixe mais de 1 hora à 1 1/2 hora.



ALFACE COM TOMATE (João Barcelos)