DUKE
O esquecimento de não coletar o quesito cor é racismo
Fátima Oliveira
Finalizei "A ciência chama a minha mãe de HeLa, diz Deborah Lacks" sobre o livro de Rebecca Skloot: "A vida imortal de Henrietta Lacks", dizendo que "É um livro que dói. Revela subterrâneos sombrios da produção da ciência e a necessidade de novo contrato social e ético entre ciência e sociedade; para além de maquiagens bioéticas, exige meios reais de contenção de abusos".
Várias pessoas, que conhecem a minha trajetória na área de bioética, escreveram indagando sobre maquiagem bioética. A bioética possui dupla face: movimento social e disciplina - a que adquiriu prestígio e aparece na mídia. A bioética disciplina muitas vezes tem servido de biombo para o nada fazer, só debater os problemas. Muita falação e zero de ação! É maquiagem.
Muita gente indagou sobre normas e leis que regulam a pesquisa em biociências, particularmente a médica, e deseja resposta no campo do "ainda pode acontecer o caso Henrietta Lacks?". No Brasil talvez não, mas nos EUA sim, pois lá não é exigido o consentimento livre e esclarecido para usar sangue e tecidos em pesquisa.
O Brasil revisou a sua Norma de Ética em Pesquisa em 1996, resultando nas "Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos do Conselho Nacional de Saúde" (CNS), mais conhecida como " Resolução 196/96" do CNS, que incorpora a Lei 8.489, de 18/11/92, e o Decreto 879, de 22/07/93, que dispõem sobre retirada de tecidos, órgãos e outras partes do corpo humano com fins humanitários e científicos.
Integrei o Grupo de Trabalho (GT) que elaborou a "Resolução 196/96" do CNS. Era a única feminista e a única negra. Aprovada a resolução, no pleno do CNS, integrei o primeiro Comitê de Ética em Pesquisa do CNS. Foi gratificante e cumpri meu papel a contento, mas não foi fácil. Em nenhum momento, sobretudo no que se refere à "questão racial". Até hoje é complicado.
Às vezes, e foram muitas, eu ficava em dúvida se estava falando português, porque eu dizia que ficava rouca e alguns dos membros do GT faziam cara de paisagem! Na véspera da reunião do pleno do CNS, que apreciaria e votaria a proposta de resolução, um dos integrantes do GT se achou no sagrado direito de dizer que não entendia o "quesito cor" e a importância dele no documento. Subi nas tamancas. Disse-lhe que não explicaria mais porque ele era burro e não iria entender.
E não expliquei! E o "quesito cor", nos dados de identificação pessoal de todas as pesquisas em seres humanos passou a ser obrigatório, embora o próprio Ministério da Saúde até hoje tenha dificuldades em exigi-lo nas pesquisas que patrocina. E quando reclamo, e reclamo sempre, dizem que foi um lapso. Mas como lapso se cabe, inicialmente, ao Comitê de Ética em Pesquisa onde ela será realizada, não autorizá-la sem o quesito cor? Aí tem! O esquecimento (recusa?) de não coletar e, se coletar, não analisar o quesito cor tem nome: é racismo mesmo!
Cumprir as regulamentações (normas ou leis) de ética em pesquisa exibe o grau de respeito de cientistas aos direitos humanos. A Resolução 196 é uma conquista monumental num país em que a pesquisa, sobretudo a biomédica, corria frouxa até 1996, como se o Brasil fosse terra de ninguém.
Uma pergunta que vem do GT é o que melhor cerceia abusos e garante os direitos humanos dos sujeitos de pesquisa: uma norma ou uma lei?
Tenho a opinião de que a Resolução 196/96 já cumpriu o seu papel pedagógico e que o Brasil precisa agora é de uma lei de ética em pesquisa.
Publicado no Jornal OTEMPO em 06.09.2011
Atualização:
RESOLUÇÃO CNS Nº 441, DE 12 DE MAIO DE 2011 - Considerando a necessidade de atualizar a complementação da regulamentação da Resolução CNS no 196/96 no que diz respeito ao armazenamento e à utilização de material biológico humano com finalidade de pesquisa...
Breve Histórico das Diretrizes, Normas e Leis na Pesquisa em Seres Humanos - José Roberto Goldim
... é um ponto de publicação de "coisas" escritas em momentos de grandes inspirações, pois a Chapada do Arapari é um lugar que existe, mas ao mesmo tempo é meu imaginário...
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terça-feira, 6 de setembro de 2011
Não há pesquisa ética sem respeito aos direitos humanos
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Sinto que fiquei menos burra. Acho o assunto, ética em pesquisa, muito complexo e complicado
ResponderExcluirExcelente artigo. Parabéns
ResponderExcluirUma artigo excelente. Acrescenta muito ao debate bioético
ResponderExcluirFátima, mais uma vez obrigada por tantas luzes
ResponderExcluirTambém concordo que precisa uma lei porque norma não prevê punição pra quem não realizar pesquisas éticas
ResponderExcluirLindo!!!
ResponderExcluirFatima Oliveira perfeita como Sempre Beijao..............
ResponderExcluirNunca mais farei uma pesquisa sem considerar o quesito cor, aprendi com você minha adorável mestra!
ResponderExcluirFátima, amo o seu jeito de ser: comprometida com TUDO o que faz a diferença para mais cidadania. Há pelo menos duas décadas acompanho a sua luta nesse campo de genética, ética em pesquisa e sempre com a preocupação de popularizar e divulgar tais temas.
ResponderExcluirTenho o seu livro Engenharia genética: o sétimo dia da criação, autografado por voc~e com os segunites dizeres: "Entender um pouco de genética é uma necessidade para o exercício da cidadania".
Eu a conheci através dos seus artigos sobre genética e ética em pesquisa.
ResponderExcluirGostei!