(DUKEI)
Fátima
Oliveira
Médica
– fatima.oliveira1953@gmail.com @oliveirafatima
Em minha opinião, elaborada durante mais de duas
décadas acompanhando as Novas Tecnologias Reprodutivas conceptivas (NTRc),
sobre as quais escrevi vários artigos e um livro, “O Estado da Arte da
Reprodução Humana Assistida em 2002 e Clonagem e Manipulação Genética Humana:
Mitos, Realidade, Perspectivas e Delírios” (CNDM/MJ, 2002), e refletindo sobre
ela, afirmo que o desejo de ter uma prole é tão forte quanto o de não tê-la.
Hoje, quando filhos demoram a chegar, começa a
peregrinação aos consultórios de ginecologia. Diagnosticada a causa da
infertilidade, da mulher e/ou do homem, e diante da impossibilidade de ter um
“bebê feito em casa”, está no horizonte o “bebê de proveta”, que não trata a
infertilidade, é apenas um meio de tentar ter um bebê.
Em “Filhos(as) da Tecnologia: questões éticas
envolvidas na procriação assistida” (1997), considerei que “infertilidade em
geral não é o mesmo que uma ‘doença’ física, é muito mais uma condição social
do que biológica. A maior parte dos casos de infertilidade é curada ‘com o
tempo’, e a maior façanha conseguida, até agora, no mundo, é que nascem mais
crianças na ‘lista de espera’ dos ditos ‘tratamentos’ do que dos ‘tratamentos’,
já que o sucesso deles não alcança 15%. Sem nos esquecermos de que as fraudes e
os erros nos diagnósticos de infertilidade são numerosos”.
Não é um passeio levar um “bebê de proveta” para casa.
É inseguro e caríssimo, bem distante das possibilidades de quem não tem muito
dinheiro. Os serviços públicos de reprodução assistida em universidades
públicas são raros no Brasil, e os existentes estão sucateados. E os “planos de
saúde” não cobrem os custos exorbitantes dos serviços privados das NTRc!
O assunto veio à baila porque fui
procurada por uma família conterrânea para conversar sobre o tema. Como disse a
potencial avó: “Lemos seus artigos na internet depois do ‘leite derramado’ e de
uma família destroçada. Encontramos também o seu e-mail”. Resumindo: o casal
vendeu tudo o que possuía (casa boa e carros) e foi tentar um “bebê de proveta”
em São Paulo. Lá ficou três anos e voltou sem bebê, e a mulher com um quadro
psiquiátrico grave.
Louise Brown, o primeiro bebê de proveta da humanidade (25 de julho de 1978, no Hospital Geral de Oldham, perto de Manchester, Inglaterra)
Em “As Novas TecnologiasReprodutivas conceptivas a serviço da materialização de desejos sexistas,racistas e eugênicos?” (2001), digo: “O legítimo desejo pela maternidade e pela
paternidade não pode materializar-se à custa de procedimentos inseguros e de
supostos tratamentos que causam sofrimentos físicos e mentais, nem à obsessão e
à obstinação pelo(a) filho(a). Cabe ao Estado a elaboração de meios de controle
e contenção da aplicação de técnicas experimentais como tratamentos ‘testados e
aprovados’ e das práticas dos technic-doctors”.
Sob a égide dos direitos humanos, não é ético que,
para “fazer o bem”, a ciência utilize caminhos inseguros e que levem,
deliberadamente, à iatrogenia. Em “Não se fazem mais bebês de proveta como
antigamente: a obsoletização da Fertilização in vitro e transferência de
Embriões” (1998) afirmei que “a defesa democrática dos direitos reprodutivos
inclui o acesso ao tratamento da infertilidade – nos casos em que ela é de fato
uma doença – e a segurança dessas terapias”.
Relembrando a medicalização em si como uma ferramenta
excepcional de poder político, não é de nossa competência ética “julgar” quem
deseja ter ou não uma prole, mas em respeito à liberdade reprodutiva, e para
assegurá-la, temos o dever de apoiar as decisões referentes a procriar ou não e
que elas sejam concretizadas em segurança e sem danos à sanidade física e
mental.
PUBLICADO
EM 25.04.17