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terça-feira, 30 de agosto de 2011

A ciência chama a minha mãe de HeLa, diz Deborah Lacks


Enfileiradas, as células HeLa dariam três voltas à Terra
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br

14243_318928475292_541515292_9701050_3340719_n.jpgLeio o instigante livro de Rebecca Skloot, "A Vida Imortal de Henrietta Lacks", presente de uma amiga, Valéria Augusto, cujo resumo diz: "Em 1951, uma mulher negra e humilde morre de câncer; suas células - retiradas sem seu consentimento - são mantidas vivas, dão origem a uma revolução na medicina e a uma indústria multimilionária. Mais de 20 anos, depois, seus filhos descobrem a historia e têm suas vidas completamente modificadas". Parece ficção, mas aconteceu.


(Deborah Lacks)

(Deborah Lacks)

Ouçamos Deborah Lacks, filha de Henrietta Lacks (18.8.1920 - 4.10.1951): "A ciência chama a minha mãe de HeLa (pronúncia: rilá), e ela está no mundo inteiro em centros médicos...
Quando vou ao médico, sempre digo que minha mãe foi HeLa. Eles ficam empolgados, contam coisas do tipo como as células dela ajudaram a produzir meus remédios para hipertensão e antidepressivos e como todas essas coisas importantes da ciência aconteceram por causa dela... Mas sempre achei estranho que, se as células da nossa mãe fizeram tanto pela medicina, como é que a família dela nem tem dinheiro para pagar um médico? Não faz sentido. As pessoas ficaram ricas às custas de minha mãe e a gente não recebeu um centavo...".
A eterna presença de Henrietta Henrietta descende de escravos plantadores de fumo. Teve cinco filhos. Nenhum transpôs as soleiras da universidade. Não possuem seguro-saúde. As células HeLa - do carcinoma epidermoide do colo de útero dela, extraídas por seu médico Howard Jones, em 6.2.1951 - se reproduziram "in vitro" no laboratório de cultura em tecidos do Hospital Johns Hopkins, um dos raros que atendiam negros, mas os segregava em enfermarias de "pessoas de cor" . Estima-se que as células HeLa, enfileiradas, dariam três voltas ao redor da Terra.


"É um livro que dói.
Revela subterrâneos sombrios da produção da ciência
e a necessidade de novo contrato social e ético
entre ciência e sociedade"


Rebecca Skloot conheceu as células HeLa em 1988, aos 16 anos, numa aula do professor Donald Defler, que disse: "As células HeLa foram uma das coisas mais importantes que aconteceram à medicina nos últimos cem anos. Era uma mulher negra". Rebecca indagou: "De onde ela era? Sabia da importância de suas células? Teve filhos?". Ele disse: "Eu bem gostaria de poder lhe contar, mas ninguém sabe nada sobre ela".
Foi a obsessão por ela que levou Rebecca a escrever o livro "contando a historia de Henrietta Lacks e das células HeLa, abordando aspectos importantes sobre ciência, ética, raça e classe". Sobre a foto de Henrietta, diz: "Passei anos contemplando-a, indagando que tipo de vida a retratada levava, o que teria acontecido com seus filhos, o que acharia de células do seu colo de útero vivendo para sempre - compradas, vendidas, embaladas e expedidas aos trilhões para laboratórios de todo o mundo".
Ela e Deborah Lacks, muito mística, ficaram amigas: "Como explica que seu professor de ciências sabia o verdadeiro nome dela, quando todos os outros a chamavam de Helen Lane? Ela estava tentando chamar a sua atenção". Era uma dedução de Deborah aplicável a tudo de Rebecca: ao casamento (ela quis que alguém cuidasse de você enquanto escrevia sobre ela); ao divórcio (ela viu que ele estava atrapalhando o livro); e, quando um editor insistiu em suprimir a família Lacks do livro, feriu-se num acidente misterioso, "Deborah disse que aquilo era o que acontecia com quem irritasse Henrietta".
É um livro que dói. Revela subterrâneos sombrios da produção da ciência e a necessidade de novo contrato social e ético entre ciência e sociedade; para além de maquiagens bioéticas, exige meios reais de contenção de abusos.


Publicado no Jornal OTEMPO em 30/08/2011

ENTREVISTA

Rebecca Skloot  - JORNALISTA CIENTÍFICA, AUTORA DE A VIDA IMORTAL DE HENRIETTA LACKS (Veja vídeo, com tradução para o português)

Clique para ampliar
Escreve sobre ciência e publicou artigos em veículos como The New York Times Magazine, Discover e O: The Oprah Magazine. Atualmente colabora como editora na revista Popular Science e é editora convidada do The Best American Science Writing 2011. Foi correspondente na NPR's Radiolab e na PBS's Nova ScienceNOW. Lecionou escrita científica e de não ficção nas universidades de Nova York, Memphis e Pittsburgh. A vida imortal de Henrietta Lacks, seu primeiro livro, tornou-se best-seller imediato nos Estados Unidos, recebeu inúmeros prêmios e está sendo traduzido para mais de vinte línguas. Será adaptado para a televisão pela HBO, com produção de Oprah Winfrey e Alan Ball. Para mais informações, acesse rebeccaskloot.com

'Li ficções para escrever o livro'

A obra inclui uma pesquisa biográfica e quase um estudo científico, são duas histórias que se cruzam. Como organizou isso?
Foi um desafio colocar aquele tanto de informações sem deixar confuso. Precisava contar as duas histórias ao mesmo tempo porque era importante que o leitor entendesse a parte científica ao mesmo tempo em que conhecesse o lado humano. E queria que o livro fosse lido como ficção, então li muitos romances estruturados assim.

Que tipo de romances?
Um dos que mais ajudaram foi Tomates Verdes Fritos, de Fannie Flagg, que tem três narrativas ao mesmo tempo. E Love Medicine, de Louise Erdrich, e As Horas, de Michael Cunningham. Entre os filmes, o que mais ajudou foi O Furacão, com Denzel Washington. Tomei o cuidado de, como no filme, fazer os capítulos correrem rapidamente para que a história não se perdesse.

O livro vai virar filme?
Sim, está sendo transformado em filme por Oprah Winfrey e Alan Ball para a HBO. Sou consultora de roteiro, assim como a família de Henrietta. / Raquel Cozer - O Estado de São Paulo.

[DUKE] 

12 comentários:

  1. Juliana Cardoso Chagas30 de agosto de 2011 às 09:05

    Chocante! Parabéns pelo artigo. Temos de pensar sobre isso, pois ainda pode acontecer a outras pessoas.

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  2. Maria Antônia Andrade30 de agosto de 2011 às 11:08

    Estou chocada. É preciso uma reparação para a família de Henrietta.

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  3. Pelo que escreveu falando sobre maquiagens bioéticas, logo você que é uma das pioneiras da bioética no Brasil, tem até livros publicados no assunto, no debate se para questões de bioética, são melhores as leis ou as normas, entendi que defende leis? Ou estou enganado? Eu acho que NORMA é pra quem já tem consciência e LEI é para ser cumprida, conscientemente ou não. Infrigiu punição dura!
    Nos EUA, país que originou a bioética, ainda hoje um caso como o de Henriqueta Lacks pode acontecer. Pelo que tenho lido, no Brasil há a Norma de Ética em Pesquisa, que chama de 196, do Conselho Nacional de Saúde, que proíbe (você também participou da elaboraçãod ela, ou estou enganado? Acho que não), mas é uma norma, pode ser burlada sem que haja punição! O Brasil, assim como os EUA precisam de LEIS para esses assuntos. É o que defendo: uma LEI NACIONAL DE BIOÉTICA

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  4. É um assunto duro e difícil demais, que não entendo muito. Vou procurar ler mais sobre ele. Mas deu pra entender que a família de Henrietta Lacks foi ludibriada. Aliás, continua.

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  5. Uma artigo especial. Sinto que fiquei mais cidadão tomando conhecimento dessa história de tanta vigarice científica

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  6. "Pois bem, as células milagrosas retiradas daquela negra pobre e discriminada de Clover, no início dos anos 50, ajudaram a desenvolver pesquisas com genes causadores de câncer, remédios para herpes, leucemia, gripe, hemofilia, Mal de Parkinson, permitiram os testes decisivos para a fabricação de vacinas contra a pólio, ajudaram a elaborar técnicas sobre a digestão da lactose, a descobrir curas para doenças sexualmente transmissíveis, deram impulso a estudos sobre apendicite, longevidade, acasalamento de mosquitos e efeitos para nocivos para as células em trabalhadores que lidam com esgotos, entre outras pesquisas. A lista é interminável.
    HenriettaLacks, através de suas células que nunca mais pararam de se reproduzir, virou eterna – e cada um de nós, beneficiários dos avanços da medicina, tem uma dívida com ela".

    http://mariomarcos.wordpress.com/2011/06/04/4660/

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  7. Goreth Porto Madeira30 de agosto de 2011 às 21:23

    Gostei do texto postado pela Maria Rita Abreu, pois através dele entendi melhor a natureza da dívida que não só a medicina, mas a humanidade tem para com descendentes de Henrietta Lacks

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  8. Fátima, fiquei impressionada. De um tanto que comprei o livro hoje.

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  9. Gostei doa rtigo e depois que o li, consultei outras fontes. A humanidade, mas em especial o governo dos estados Unidos têm de fazer uma reparação à família de Henrietta Lacks, não tenho dúvida.

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  10. O artigo dá medo. A ciência tem percorrido caminhos tortuosos e nem sempre éticos. Concordo que a humanidade tem uma dívida com a família de Henrietta Lacks

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  11. É deprimente, além de um crime

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  12. É triste. É criminoso também

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