Não gostar de uma comida por preconceito é outra coisa
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_
No Maranhão, aprecio a comida do litoral e a do sertão, nas versões “pobre de marré deci” e “fidalga”. Já escrevi que “Em Beagá, fui tomada de paixão irrefreável pelos pratos da culinária mineira roceira, chamados ‘comida de pobre’, como bambá de couve, canjiquinha com costelinha de porco e frango caipira com ora-pro-nóbis”.
Recentemente, jantando carne de sol na casa do meu irmão Gil, em Imperatriz (MA), mencionávamos a deliciosa galinha caipira do almoço, quando alguém disse que um amigo, estudante de direito, metido a riquinho, detestava galinha caipira, que para ele era coisa de roceiro, comida de pobre, que cria uma galinhazinha pé-duro no quintal para matar a fome! Fiquei indignada e disse: “Mas que falta de cultura gastronômica!”.
Lembrei-me de Joan Roca – chef do restaurante nº 1 do mundo em 2013, o El Celler de Can Roca, para quem cozinhar não é arte, mas um artesanato que traduz memórias e vivências –, que declarou: “A gastronomia é uma linguagem para expressar nossa cultura, que usamos para explicar nossa terra, cultura, memória, vivências e viagens”.
A conversa girou em torno das memórias vivas de nossas comidas de crianças do sertão, numa família que não era rica, mas não era pobre, pois, como dizia o meu avô Braulino, tinha como “escapar” comendo bem três vezes por dia!
Não gostar de uma
comida é uma coisa,
mas não gostar
por preconceito
contra pobre
é outra bem
diferente!
comida é uma coisa,
mas não gostar
por preconceito
contra pobre
é outra bem
diferente!

Voltando ao sujeito que detestava galinha caipira. Concordamos que pessoas sem cultura gastronômica passam pela vida sem decência no viver, pois não gostar de uma comida é uma coisa, mas não gostar por preconceito contra pobre é outra bem diferente! Ele não come galinha caipira porque ela decerto expressa suas origens roceiras, que ele renega! Se inferno existisse, ele mereceria arder em seu fogo!
Uma pessoa que abomina comidas que lembram suas origens sertanejas, modestas ou não, é um tosco; não leu Guimarães Rosa, que disse: “Sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o lugar”; e é ignorante da filosofia “slow food” – comer bem é um direito humano fundamental, da qual decorre a ecogastronomia – “a responsabilidade de defender a herança culinária, as tradições e culturas que tornam possível esse prazer”.
FONTE: OTEMPO