Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_
A Constituição Federal de 1988 diz que "a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e o pluralismo político" (Dos Princípios Fundamentais, art. 1º). Consta ainda em nossa Constituição que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas" (Dos Direitos e Garantias Fundamentais, art. 5º. X).
As citações relembram as bases legais, no Brasil, da autonomia ou respeito à pessoa, que considera que "o ser humano tem o direito de ser responsável por seus atos, de exercer o direito de escolha". Em bioética - a ética da vida -, o enunciado geral da autonomia é acrescido do que se segue: "Os serviços e profissionais de saúde devem respeitar a vontade, os valores morais e as crenças de cada pessoa ou de seu representante legal. Qualquer imposição é considerada agressão à inviolabilidade da intimidade da pessoa".
Pelo exposto, conclui-se que a autonomia, no Brasil, alicerça dois direitos constitucionais: a dignidade da pessoa e a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, mesmo quando titulares de tais direitos são figuras públicas. Como pode uma "pessoa pública" - a exemplo de parlamentares e governantes - ter direito a tais inviolabilidades?
Ora, ser uma "pessoa pública" não é condição para perder direitos, embora incorpore mais deveres. Uma pessoa pública em exercício de mandato eletivo deve explicações dos seus atos ao povo. Elementar: foi eleita para representar o povo ou governá-lo. E como tal está obrigada a prestar contas do que diz respeito à sua vida pública, ainda que seja na esfera privada, se repercutir na esfera pública.
As reflexões expostas tiveram como ponto de partida a recente polêmica (terá sido uma polêmica?) sobre a autonomia de que o ex-presidente Lula é titular, como qualquer cidadão do nosso país, de livremente escolher se quer tratar a sua doença, como e onde, segundo as suas posses.
As tentativas de linchamento moral e político, o desrespeito à vulnerabilidade de uma pessoa doente diante da medicina e da ciência não são apenas cruéis, são criminosos e podem aportar repercussões desfavoráveis na resposta ao tratamento. A má-fé, com o intuito de desmoralizar e vulnerabilizar, não pode ser aceita como algo normal numa democracia.


Quem diz que a opressão de classe não existe e que a luta de classes acabou, a expressão "Lula, faça o tratamento pelo SUS!" desmente, além do que é reveladora de uma ignorância monumental sobre o SUS que, apesar das dificuldades e até sabotagens de classe, o hoje é melhor do que qualquer dia da era pré-SUS, por paradoxal que possa parecer!
Ao acabar com a figura do indigente na saúde, o SUS é a política pública que mais conferiu cidadania ao conjunto do povo brasileiro. Talvez resida aí o motivo pelo qual o SUS tem tantos inimigos. De classe!
Publicado no Jornal OTEMPO em 08.11.2011
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Fátima Oliveira: Lula tem o direito de se tratar onde quiser (VI O MUNDO)
Lima Coelho
Tirou o grito que estava entalado em minha
ResponderExcluirgarganta
Dra. Fátima Oliveira a senhora, a sua coragem e lucidez só fazem bem ao Brasil
ResponderExcluirOs elementos trazidos em seu artigo são mais do que suficientes para dizer que essa falsa polêmica criada por gente desocupada é a expressão cristalina do preconceito
ResponderExcluirVocê escreve muito bem e me convenceu
ResponderExcluirGostei muito. Disse tudo. Espero que outras pessoas que não compreenderam ainda leiam o seu artigo e compreendam
ResponderExcluirArgumentos perfeitos.
ResponderExcluirO resto é confusão política dessa gente que se acha.
Inveja também move essa campanha idiota, sobretudo de quem é pobre e ainda não alcançou mudar de status social. Inveja é uma desgraça.
Conheço muitos pobres que odeiam Lula porque segundo eles, ele SUBIU. A inveja também move o mundo e de forma odiosa.
A coisa beira o ridículo. Pessoas que se dizem democratas querendo obrigar a uma outra pessoa a se internar e se tratar onde elas quiserem. É um horror. Mas o pior é terem coragem de fazer uma campanha sobre e isso e quase 150 mil idiotas seguirem-na.
ResponderExcluirShow de artigo.
ResponderExcluirDe acordo que além do preconceito há a inveja de muitos
Perfeito!
ResponderExcluirAndei sapeando em outros lugares onde se encontra seu artigo.
Ficou difícilagora de dizer que Lula não tem o direito de se internar e se tratar onde quiser e sua grana Constituição (não era preciso (eheheheh). Alegam que ele tem o direito, mas não deveria ter usado o direito. Calhordice em um milhão de graus.
Muita confusão à-toa. Sinceramente eu acho que cada pessoa vai cuidar de sua saúde no lugar de sua escolha, se puder pagar. Não vejo nada demais nisso.
ResponderExcluirQuem não pode vai enfrentar a fila do SUS mesmo. A minha experiência com o SUS é muito boa. Não tenho queixas dos tratamentos, mas das acomodações que são muito desconfortáveis. No Ponto Socorro é o caos. Depois que a pessoa se interna, melhora. Isto é, são melhores as acomodações. Mas se internar, nem sempre se consegue.
Vivemos num país de desigualdades sociais profundas. E capitalista.
Fátima estou gostando muito dos Recadins de Guimarães Rosa para Lula.
ResponderExcluirQuanto ao artigo: perfeito