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terça-feira, 28 de julho de 2015

A abstração do genoma estável e a fé bandida da eugenia

12    (DUKE)
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


Sou do tempo em que filho de rico era criança, filho de pobre era “menor”, e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990) era entendido como uma lei para “o menor”, e não para todas as crianças e adolescentes do país!


    E, infelizmente, assim ficou. Tão tacanha visão de mundo é o cenário sobre o qual foi debatida a PEC 171/1993, que reduz a maioridade penal, tendo como pano de fundo o determinismo genético rasteiro, anticientífico e vulgar de que há úteros que carregam “trombadinhas”!


O deputado federal Laerte Bessa (PR-DF) é relator do projeto de redução da maioridade  (Deputado federal Laerte Bessa, PR-DF)


Não fiquei espantada com o publicado pelo jornal inglês “The Guardian” (29.6.2015), que atribuiu ao deputado federal Laerte Bessa (PR-DF), relator da PEC de diminuição da maioridade penal, convicto de que ela é “uma boa lei que acabará com o senso de impunidade em nosso país”, a seguinte declaração: “Um dia, chegaremos a um estágio em que será possível determinar se um bebê, ainda no útero, tem tendências à criminalidade, e, se sim, a mãe não terá permissão para dar à luz”.
No rastro das repercussões negativas, a assessoria do referido parlamentar emitiu uma nota argumentando que a matéria escrita em inglês ganhou interpretações erradas e que “em entrevista ao ‘The Guardian’, o deputado defendeu a redução da maioridade penal para os 16 anos e apenas disse que não via impedimento em reduzi-la futuramente para 14 anos, caso os índices de criminalidade entre menores continuassem altos e estudos apontassem que esse fosse o caminho. Em nenhum momento, Bessa falou em aborto. O deputado, inclusive, já se manifestou diversas vezes em entrevistas contrariamente ao aborto, crime previsto no Código Penal brasileiro”.
Apesar do desmentido, uma declaração eugenista como a citada merece ser esmiuçada, notadamente em seu aspecto de velhacaria desde Francis Galton (1822-1911), que tinha a crença de que os negros eram biologicamente inferiores e burros; e que “os miseráveis deste mundo deveriam ser proibidos de se reproduzir”. Quer dizer, não é de hoje que eugenistas correm em vão atrás de cientificidade para seus desejos inegavelmente racistas! O que só evidencia cada vez mais que a eugenia em si é uma crença de índole bandida do mesmo naipe do darwinismo social e da sociobiologia, pois jamais foi descoberto algo na genética que corrobore tais fés. A eugenia e ideologias similares são racismos em busca de um disfarce de ciência.




O conteúdo anticientífico da declaração merece ser desmascarado, já que está embalado na ignorância do desvio ideológico de que “nada escapa aos genes” – eixo da ideologia do fatalismo genético, que existe unicamente para a espécie e nada mais: ratos geram ratos, cobras geram cobras, gatos geram gatos, porcos geram porcos, e seres humanos geram seres humanos! Ou alguém já viu uma mulher parir um rinoceronte?


mae-wan ho


A ideia do fatalismo genético sem ser para a espécie e a crença da estabilidade dos genes e dos genomas formam um bloco monolítico jamais respaldado pela genética e é filosoficamente idealista, materialmente insustentável; paulatinamente, está ruindo. Como têm reconhecido inúmeros cientistas, corroborando Mae Wan Ho, “genoma estável é uma abstração”. É norma geral da natureza viva que meio ambiente e genes são visceralmente interdependentes, e é impossível dizer qual é o mais importante.
É uma canseira sem limites ter de enfrentar a ignorância secular de eugenistas, sobretudo quando falam do lugar de autoridade e do poder de legislar sobre suas crenças com o intuito de torná-las leis, na recusa de se render à realidade: somos Homo pela nossa condição biológica e sapiens pelas nossas culturas.


PUBLICADO EM 28.07.15
FONTE: OTEMPO

  (James Watson, co-descobridor da estrutura do DNA)

Sobre o tema, leia +: 
Antes tarde do que nunca! Por Fátima Oliveira [(23.10.2007), sobre a neoeugenia de James Watson) 
O racismo é uma abominável fé bandida, Por Fátima Oliveira  (06.05.2008)

terça-feira, 21 de julho de 2015

Sobreviver ao jaguncismo exige arte e muita manha

01  (DUKE)
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


Para especular sobre o que agosto trará na política brasileira, urge recorrer à psicologia do jagunço. Há seis meses, o Brasil vive sob a batuta do sistema jagunço, sem que as forças políticas constituídas pelo voto popular esbocem qualquer coisa que possa ser chamada de resistência.


  
(La Pasionaria statue in Glasgow, Scotland)



A impressão é que se quedou ao jaguncismo político até quem não concorda com suas práticas brutas. O jaguncismo mete medo. Vivemos dias de muita tensão. E, pior, não aparece saída no horizonte. Todavia, reli diariamente trechos de “Grande Sertão: Veredas” por acreditar que precisava entender mais da psicologia do jagunço.



[Bando de Jagunços do Cel. Izaías Arruda (fotos de 1926 em Ingazeiras da Aurora)]


Para M. C. Leonel & J. A. Segatto, em “Política e violência no sertão rosiano”: “O universo do grande sertão de Guimarães Rosa expressa um complexo de elementos fundamentais que vigem nas relações humanas e sociais do país e as perpassam historicamente. O ‘sertão aceita todos os nomes: aqui é o Gerais, lá é o Chapadão, lá acolá é a caatinga’ (Rosa, 1978: 370)”.


   No último dia 17, o sistema jagunço de poder sofreu um abalo, com a rendição do seu chefe à oposição ao governo diante da possibilidade de a sua vida ser examinada com rigor em busca de rastros, porque até agora ele tem sido o bom caminhante de Lao-Tsé – célebre filósofo da China antiga, autor do “Tao Te Ching”, a obra basilar da filosofia taoista.


 Disse Lao-Tsé: “Um bom caminhante não deixa rastros”. A hora do vamos ver é quando agosto chegar. O futuro político do Brasil está em suspenso até lá. Temos tempo para apreender o que quis dizer Guimarães Rosa ao escrever que “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”.


Resultado de imagem para grande sertão veredas   Elizabeth Hazin, professora da UnB, autora da tese de doutorado “No Nada, o Infinito” (da gênese de “Grande Sertão: Veredas”, 1991), diz que “Guimarães Rosa preocupava-se com o fato de serem os jagunços invariavelmente vistos apenas como seres sanguinários, vingativos, sem estofo algum de natureza mais nobre. Era preciso revelar – e só a literatura seria capaz disso – o drama existencial daqueles homens: seus anseios, angústias e inquietações” (“O aproveitamento de resíduos literários no Grande Sertão”, 2008).

Foto de Guimarães Rosa durante a viagem (Crédito: Eugênio Silva/O Cruzeiro/EM/D.A) Daí porque o velho Rosa é o melhor celeiro para apreendermos a psicologia do jagunço e aquele olhar obsedado que chamou a minha atenção na última eleição da presidência da Câmara dos Deputados, sobre a qual escrevi: “Se Severino Cavalcanti tinha aquele olhar de paspalhão, o de Cunha é puro Hermógenes, um chefe jagunço de ‘Grande Sertão: Veredas’, de Guimarães Rosa, que sequer respeitava as normas/leis da jagunçagem, como disse Riobaldo Tatarana: ‘O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado’” (“Uma República democrática e laica sob o sistema ‘jagunço’”, O TEMPO, 17.2.2015).


O novo presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti, comemora junto a outros deputados a sua vitória  Foto: Agência Brasil (Eleição de Severino Cavalcanti, 15.02.2005)
 (Eleição de Eduardo Cunha, 01.02.2015)
  Para Riobaldo, o “sistema jagunço” é: “Ah, a vida vera é outra, do cidadão do sertão. Política! Tudo política, e potentes chefias”. E, para quem não leu “Grande Sertão: Veredas”, ou não lembra, Renata de Albuquerque, em “Diadorim e Hermógenes: Jogo de duplos e espelhamento em ‘Grande Sertão: Veredas’”, relembra: ‘‘Hermógenes é ‘fel dormido’. Até porque Hermógenes não precisa ‘impor-se mau’, pois ele assim o é por si mesmo (e por resultado do pacto que fez). Assim, Hermógenes aparece-nos como a excrescência do ambiente do sertão, pois estão nele concentradas, justamente, todas as características que aparecem, por vezes isoladamente, em cada homem da jagunçagem”.



“Grande Sertão: Veredas” em versão graphic novel
Resultado de imagem para grande sertão veredasResultado de imagem para grande sertão veredasResultado de imagem para grande sertão veredas PUBLICADO EM 21.07.15
FONTE: OTEMPO
  Severino Cavalcanti foi fisgado pela comida. No caso, pela acusação de cobrar propina do restaurante da Câmara dos Deputados.  Na imagem, o retrato oficial de Severino montado sobre pintura portuguesa do início do século XX.
Você poderá gostar de ler:
Aguarde mais peripécias de um sobrevivente das Torres Gêmeas, Por Fátima Oliveira

terça-feira, 14 de julho de 2015

Viagens e discursos de Francisco no tour pela América do Sul

12  (DUKE)
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


A missão do papa Francisco é manter a teocracia do Vaticano, a face Estado da Santa Sé, que é sólida, mas perde fiéis, sobretudo para a teologia da prosperidade. Logo, o discurso que acena longe uma volta aos valores do cristianismo primitivo, como insistem em dizer alguns, é uma miragem.


    (Fado da Crucificada, José Maria Oliveira)


Estão equivocados os dois extremos do catolicismo: o fascista, que o chama de papa vermelho; e o de esquerda, que vislumbra mudanças no Estado teocrático e se encanta com o palavrório “progressista” do papa, mesmo sabendo que tudo continua como dantes no quartel de Abrantes quanto aos temas ainda proscritos: direitos das mulheres e LGBT.
Conservadores da direita e a esquerda católica se esquecem de que a Santa Sé detém o maior legado de experiência política no mundo! São mais de 2.000 anos no cenário religioso e político do mundo e 265 papas – que sempre fizeram política, nem sempre do bem! Qual o partido político no mundo que cavalga em tanto tempo de experiência? Eis o ponto de partida para analisar qualquer passo ou discurso do papa Francisco.


 
Filme “A papisa Joana” – legendado, em:
 http://www.onlinefilmes.net/assistir-a-papisa-joana-legendado/
  O primeiro papa foi são Pedro, mas o título só começou a ser usado no século III. Há a figura do antipapa – “elevado ao papado de modo não canônico, atribui a si mesmo a dignidade e a autoridade papal”. Os antipapas são 36, segundo a Santa Sé, mas há sete duvidosos. “A história dos papas é repleta de lutas pelo poder, assassinatos, renúncias e destituições (Lucas Rodrigues, in “Vaticano: Conheça curiosidades sobre os papas quepassaram por lá”).


Kaifas Bergoglio y Anas Ratzinger  (Domus Sanctae Marthae, nome oficial da residência do Papa Francisco, a poucos metros da Basílica de São Pedro, no Vaticano)
  (Apartamento do Papa Francisco no Domus Sanctae Marthae) 


   O papa Francisco é simpático, tem élan e o usa bem, adota a filosofia da simplicidade voluntária e emoldura o rosto com um sorriso fácil e acolhedor, mesmo mantendo encarcerado no Vaticano o papa Bento XVI (264º papa). “Eleito em 19.4.2005, renunciou em 28.2.2013. Hoje, o papa emérito Bento XVI, um prisioneiro do Vaticano. Negócios são negócios. Ele optou por ficar vivo...” (Fátima Oliveira, in “Kyrie Eleison diante dos conflitos da Santa Sé e do Vaticano”, O TEMPO, 5.3.2015).


 Em cruzada evangelizadora pela América do Sul (Equador, Bolívia e Paraguai), recebeu um regalo do presidente da Bolívia, Evo Morales: cópia de uma escultura do padre jesuíta espanhol Luís Espinal Camps (1932-1980), também poeta, jornalista e cineasta, assassinado por seus vínculos com os movimentos sociais do país. A escultura é Cristo crucificado entre a foice e o martelo, o que fez a direita mundial pirar e apelidar a obra de arte de “crucifixo comunista”!


Luis Espinal  Luís Espinal Camps (1932-1980)
   No Segundo Encontro Mundial de Movimentos Populares, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, o discurso do papa foi cristalinamente anticapitalista: “A distribuição justa dos frutos da terra e do trabalho humano não é mera filantropia. É um dever moral” (9.7). E daí, quando o Vaticano, que é capitalista, vai distribuir o seu ouro?


http://slideplayer.com.br/slide/1701560/


No Paraguai, disse: “A corrupção é a gangrena de um povo” (no que o Vaticano é exemplar) e que “as ideologias terminam mal, não servem, têm uma relação ou incompleta, ou doente, ou ruim com o povo. As ideologias não incluem o povo, pensam pelo povo, não deixam que o povo pense” (11.7). Penso que ele falou apenas sobre as ideologias religiosas e que precisa ler “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, de Max Weber (1864-1920).
O papa Francisco, em cruzada evangelizadora pela América do Sul, cumpre o seu dever: arrebanhar fiéis. No Equador, exortou que “sacerdotes e bispos atuem a serviço dos fiéis e cuidem do ‘Alzheimer espiritual’, que os faz esquecer as origens humildes”. Nada de revolucionário.


 PUBLICADO EM 14.07.15
FONTE: OTEMPO

  Papa Francisco chega à Santa Sé para reunião com embaixadores do Vaticano nesta segunda-feira (13.01.2014), onde falou contra o aborto, sobre corte papal e disse que Deus não é católico

 Leia + de Fátima Oliveira sobre o Papa Francisco:
`Kyrie eleison´ diante dos conflitos da Santa Sé e do Vaticano Fátima Oliveira (05.03.2013)
http://talubrinandoescritoschapadadoarapari.blogspot.com.br/2013/03/kyrie-eleison-diante-dos-conflitos-da.html
O papa e os direitos reprodutivos: entre a cruz e a espada? Fátima Oliveira (24.09.2013)
http://talubrinandoescritoschapadadoarapari.blogspot.com.br/2013/09/o-papa-e-os-direitos-reprodutivos-entre.html

terça-feira, 7 de julho de 2015

A burguesia sem charme, sem finesse, machista e despudorada

10  (DUKE)
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


“Eu não vou me deixar atemorizar por xingamentos que não podem ser nem sequer escutados pelas crianças e pelas famílias. Aliás, na minha vida pessoal, eu quero lembrar que enfrentei situações do mais alto grau de dificuldade. Situações que chegaram ao limite físico. Eu suportei não foram agressões verbais, mas agressões físicas. E nada me tirou do meu rumo”.
Palavras da nossa presidente Dilma Rousseff em resposta aos xingamentos de baixo calão dos VIPs do Itaquerão, que não são os “finos” que se acham, são apenas toscos. Isso tem nome: machismo absoluto! E virou festa, pois tudo o que Dilma fala vira algo de conotação sexual contra ela!





A burguesia brasileira e seu apêndice cecal, os novos-ricos, evidenciam uma fixação vitoriana na sexualidade das mulheres no poder como forma de degradar a figura da mulher. De todas as mulheres! Até a própria Dilma, que não é nenhuma feminista de carteirinha, já se deu conta do tratamento machista dos “contra” ao seu governo!


Dilma - Washington Post


Após seis meses de tentativas de tomar o poder do país de assalto, já que não conseguiram pelo voto nem brecha para a promoção de um impeachment, voltam a atacar pela via da desmoralização sexual.


   A exemplo da venda de adesivos no Mercado Livre – que já retirou a brutalidade do ciberespaço –, produzidos em Recife, que dizem que serviriam para protestar contra o preço da gasolina e mostrava a presidente de pernas abertas. “Com 60 por 40 centímetros, o adesivo foi produzido para ser colado na entrada do tanque de gasolina dos carros. Quando do abastecimento, a ideia que seria passada era que a bomba estaria penetrando sexualmente a presidente Dilma”. Sem palavras!
A ministra Eleonora Menicucci, da Secretaria de Política para as Mulheres, “encaminhou uma denúncia ao Ministério Público Federal, à Advocacia Geral da União e ao Ministério da Justiça, pedindo providências”.




Em visita à Universidade Stanford, na Califórnia, em 1º de julho, a presidente Dilma foi atacada verbalmente por um jovem brasileiro que a chamou de “pilantra, vagabunda”, vocábulo que, bem sabemos, quando dirigido a uma mulher, significa “mulher da difícil vida fácil”.


Resultado de imagem para Dilma em Stanford  O agressor saiu de lá como entrou: livre, leve, solto, lépido e fagueiro e postou o vídeo no Facebook! O maior perigo à integridade física e à vida de Dilma Rousseff é a insegurança ao seu redor, pois ela não recebe a proteção que o cargo exige!
O agressor, Igor Gilly Teles de Oliveira, dizem que é ativista do Revoltados Online e da conservadora Ordem Demolay, exclusivamente masculina, “um braço jovem” da maçonaria, com 200 mil filiados no Brasil. Ele declarou que se infiltrou na comitiva presidencial acompanhado de Lucas, Marcos e Maria Rita, que, segundo Igor, dormiu no hotel onde a presidente estava hospedada “e de manhã me ligou dizendo que tinha pegado Dilma no café da manhã e já feito um panelaço”!
A pergunta é: como a segurança presidencial não se deu conta de tanta gente? Ora, me compre um bode!


Resultado de imagem para bode em árvore  PUBLICADO EM 07.07.15
FONTE: OTEMPO