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terça-feira, 26 de maio de 2015

Uma visão bioética de tratamento fora de domicílio no SUS

08   (DUKE)
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


Para a bioética, a ética da vida, nenhum governo “gasta” com a saúde, seja em prevenção ou na assistência a doenças. Em ambas, realiza investimento – parâmetro ético na atenção à saúde.
Hoje, até em países onde a atenção não tem a universalidade como eixo, como no Brasil pós-SUS, está no imaginário coletivo que “saúde não tem preço”! Está correta a percepção, embora os recursos da saúde pública sejam finitos.
Mesmo assim, um gestor do SUS alegar altos custos públicos do tratamento de alguém é o caminho mais curto para cair em desgraça; e não é real, como demonstra o que chamo de “lei da compensação”, do bioeticista Daniel Callahan: “Se para algumas pessoas uma aspirina resolve suas doenças, outras necessitam de transplantes de órgãos”.


   Quem personifica o SUS é o governo local (municipal e estadual). Exceto nas capitais, quando há um doente grave e naquele lugar não há recursos, a família bate, literalmente, na porta do prefeito. E prefeito não nega transportar doente para a capital. E lava as mãos! Na hora de “nossa morte, amém”, comparece com arremedos de ambulâncias. E posa de bom: ali ninguém morre à míngua, só na estrada! A “ambulancioterapia” dificilmente acabará, porque ela é o salvo-conduto do prefeito nas eleições.


Bioética- Uma Face Da Cidadania- Fatima Oliveira-ed Moderna
 (Charge do Blog do Amarildo)


Para quem considera dinheiro aplicado na saúde um “gasto”, é infinitamente mais barato desovar ambulâncias, vans e micro-ônibus nas capitais do que manter uma rede básica de qualidade e fazer a coisa certa, que é emitir uma guia de Tratamento Fora de Domicílio (TFD) – um direito do doente se onde ele mora não há recursos: tratamento de média e/ou alta complexidade eletiva.




O TFD assegura, além do transporte, marcação de consulta e/ou vaga hospitalar e acompanhante, se necessário, com diárias – normatizado desde 1999 e pago integralmente pelo SUS. A guia de TFD é emitida para outra cidade, seja no Estado-domicílio ou em outros que ofereçam o tratamento. Desde o momento em que o médico solicita o TFD, o responsável pela vida do doente é o governo, seja municipal ou estadual.
TFD é uma “ordem médica sobre uma vida em risco”. E tal qual uma ordem judicial, não é para ser discutida, mas cumprida! Muitas prefeituras proíbem a sua emissão – o que obriga muitos médicos à apelação covarde de mandar o doente perambular: “Procure outra cidade, aqui não há mais recursos”. Sem lenço e sem documento!




O outro lado de fazer valer o “saúde é direito de todos e dever do Estado” vem sendo utilizado pela classe média e até por ricos, que se internam por conta própria em hospitais privados e mandam a conta para o governo do seu Estado pagar – atitude que encontra guarida na judicialização da saúde, às vezes necessária, mas pode abrigar injustiças e abusos, configurando-se como dupla porta de acesso a TFD!


A IMAGEM DA SAÚDE PÚBLICA Aceito e defendo que o juiz deve julgar segundo a sua consciência, mas ela deve estar informada de como a “roda gira”, isto é, à luz das leis e outras normatizações existentes. Se o Tratamento Fora de Domicílio é acessado via emissão de guia específica, deve ser assim igualmente para todo mundo.
Se não há guia de TFD, é justo responsabilizar o governo por algo que nem sequer sabia? É um bom debate. Diante do que tenho, a opinião é que as secretarias de Saúde deveriam manter uma consultoria permanente em bioética para auxiliar na mediação dos conflitos e das “espertezas” de má-fé, porque, para a imensa maioria do nosso povo, “abaixo de Deus, o SUS”!


  PUBLICADO EM 26.05.15
FONTE: OTEMPO

Para saber + sobre TFD:
Tratamento fora do domicílio do doente é direito de cidadania, por Fátima Oliveira (OTEMPO, 16.03.2010)
 TFD (Tratamento Fora de Domicílio) - Portaria SAS N.º 55, de 24/02/1999 

terça-feira, 19 de maio de 2015

Benditos e incelenças para celebrar Djalma Filho

"Colo de mãe, agasalho de Amor" (Djalma Britto e sua mãe Zuzu Britto)

Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_

            No dia 10 de maio enterrei meu irmão de alma e compadre Djalma Tenório Britto Filho, um procurador/artista de muitos dons – o seu Di, Didico, tio Didi e o vovô “Fidalma”, com quem minha neta Clarinha teve o privilégio de conviver.


img  É significativo que faleceu quase no dia da Abolição da Escravatura (13 de maio), fixação dele quando líamos em “A Pacotilha” os anúncios de fugas de escravos e ofertas de serviços de escravas (cozinheiras, banqueteiras, lavadeiras, costureiras, amas de leite...). Nós dois lemos a coleção completa de “A Pacotilha”!



             Seu Di sabia muito sobre a escravidão e admirava “negros fujões”. Dizia estarrecido: “Vieram nos navios negreiros, do século XVI ao XIX, cerca de 5 milhões de escravos, e uns 300 mil morreram na travessia”.
              Criou um mantra de duplo sentido: eu estudava medicina, e os negros ficaram ao léu, tudo por “culpa da princesa” (Isabel)! “Eita, comadre de sorte! Se tivesse nascido nesse tempo, estava aqui, em ‘A Pacotilha’, nos anúncios de negras fugidas; danada como és, teria sido uma negra fujona. Agora, está aí toda ‘porloche’ estudando medicina, minha rosa”.



           Foi de beleza única que o cortejo do seu enterro tenha passado onde ele escreveu que tinha a alma acorrentada: a mansão Serra Negra. Chorei. Ele foi por ali para desacorrentar a sua alma!
             Eis o seu “Canto à Mansão Serra Negra”: “Daqui, de longe, te vislumbro./ Alquebrado pelo tempo, mas ainda tão imponente e forte./ A emoção flui, incessantemente, por imaginar que terei que te abandonar, a contragosto. Daqui, de longe, recordo./ Foste, sempre, o abrigo seguro de todas as boas e não tão boas, assim, recordações de minha vida./ A infância magnífica, a adolescência mansa e a fase adulta vitoriosa foram, contigo, partilhadas./ As brincadeiras, os encontros com amigos, a fase namoradeira, a chegada do primeiro filho, as festas,/ os bate-papos animados sob a luz da lua no jardim, sempre por ti acatados, sem reclamações./ Porto seguro quando batiam as angústias da vida e as vitórias das batalhas diárias. Anos e anos, a fio, e tu, lá./ Daqui, de longe, te vendo, o silêncio é a melhor frase. A tristeza em deixar-te./ Fecho o imenso portão de ferro batido. Ao trancar o cadeado, despeço-me de ti, velho casarão da minha vida”.
           Ele esclareceu: “A mansão Serra Negra foi a morada do meu avô Gonçalo Moreira Lima e da minha avó Rosila (Lili) Coelho Moreira Lima, em São Luís, que a compraram do ex-governador Saturnino Belo, nos anos 50. Fica no antigo Campo de Ourique, hoje Parque Urbano Santos, 541. Posso dizer que fui criado lá, pois lá vivi parte de minha infância, toda a adolescência e juventude e parte da idade adulta. De lá só saí para a minha própria casa. Lá foi criado o meu filho Ricardo, desde que nasceu. Irremediavelmente, tenho a minha alma acorrentada lá, pois eu amo aquele lugar, a casa, o quintal com suas fruteiras, o jardim... Em cada lugar há um pedaço do meu coração... (Djalma Britto, São Luís, 27.2.2008)”.




              Escrevi num e-mail: “Seu Di muito amado, a mansão Serra Negra ficará para sempre em nossos corações... Impossível ter morado ali, como eu, por muitos anos e não sentir um calafrio no corpo quando se passa pela porta... Fico com um nó na garganta... Aquela casa também é sagrada para mim...
            “Muitas ambientações em ‘A Hora do Angelus’ foram inspiradas na mansão Serra Negra. É óbvio, quando a gente escreve ficção, o conhecido e amado sempre está presente, pois é fonte de inspiração. Meu querido irmão, eu te amo! Beijos, Fátima”.


12  (DUKE)
 FONTE: OTEMPO

terça-feira, 12 de maio de 2015

Lições de Ferguson e Baltimore para a luta contra o racismo

08 (DUKE)
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


Decidi compartilhar trechos do artigo “EUA: as ilusões do ‘Poder Negro’”, de Keeanga-Yamahtta Taylor, especialista em estudos afro-americanos, da Princeton University (Nova Jersey, EUA), que li no blog Outras Palavras (7.5.2015).
É uma reflexão que encerra muitas lições para a peleja contra o racismo aqui. Está certo Luan Nascimento: “Baltimore é também sua quebrada” (Geledés, 7.5.2015).




 Eis o eixo do escrito de Keeanga-Yamahtta Taylor: “O que torna o levante de Baltimore diferente daqueles de uma era anterior é que os ataques perversos aos afro-americanos ocorreram num momento de poder político negro sem precedentes... Nunca houve tantos afro-americanos em postos de governo. Mas a revolta de Baltimore revela que, apesar disso, desigualdade, preconceito e discriminação persistem” e que “os acontecimentos de Baltimore, em Maryland, são dessemelhantes dos ocorridos em Ferguson, no Missouri, no último verão”.


  E exibe a ferida que sangra: “Hoje, temos mais governantes negros eleitos nos EUA do que em qualquer outro momento da história. Ainda assim, para a ampla maioria da população negra, a vida mudou muito pouco... E governantes negros eleitos tanto criam quanto ampliam o espaço para brancos questionarem os hábitos morais dos negros comuns. Quando o presidente Obama, a prefeita Rawlings-Blake e o procurador geral Lynch se referem aos manifestantes negros como ‘arruaceiros’ e ‘criminosos’, os republicanos brancos não precisam dizer nada”.


PHOTO: Freddie Gray, pictured in this undated photo, died Sunday, one week after he was arrested in Baltimore.
 E complementa: “A menos de 60 quilômetros de Baltimore, na capital da nação, reside o primeiro presidente afro-americano do país. Há 43 membros do Congresso e dois senadores negros – o mais alto número de parlamentares negros da história norte-americana. E exatamente quando a parte oeste de Baltimore explodia contra o assassinato de Freddie Gray pela polícia, Loretta Lynch tornava-se a primeira mulher negra indicada como procuradora geral”.
Taylor escreveu mais: “Este não é apenas um fenômeno nacional; ele se reflete também na política local. Em Baltimore, os afro-americanos controlam virtualmente todo o aparato político”. São negros a prefeita Stephanie Rawlings-Blake; o comissário de polícia; oito dos 15 vereadores; o superintendente da rede pública de educação e todos os conselheiros do serviço habitacional do município. “Por todos os EUA, milhares de funcionários negros eleitos estão governando muitas das cidades e subúrbios do país”.
Já Ferguson, o subúrbio ao norte de Saint Louis, é majoritariamente negro, governado por brancos, logo, a “representação política dos negros tornou-se o fio narrativo das explicações populares para o que deu errado”. A gritante dessemelhança entre Baltimore e Ferguson está na representação política. Na primeira, os negros são os donos do poder; na segunda, desempoderados.




Diante do que Taylor sintetiza: “O assassinato de Freddie Gray e o levante de Baltimore são simbólicos do novo poder negro... O levante de Baltimore cristalizou o aprofundamento da divisão política e de classe na América negra... Operadores políticos negros não oferecem aos afro-americanos comuns soluções melhores que qualquer outro governante eleito”.
É tempo de enxergar que, se não soubermos nos mobilizar coerentemente nos entrecruzamentos da velha luta de classes com a opressão racial/étnica e a opressão de gênero, estaremos alimentando as dinâmicas peculiares de todas as opressões.

Grupo faz manifestação em Nova York contra morte de Trayvon Martin, jovem negro morto por vigilante na Flórida
PUBLICADO EM 12.05.2015
 FONTE: OTEMPO

terça-feira, 5 de maio de 2015

Usurparam do povo brasileiro os direitos de saber e de escolher

12  (DUKE)
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_



Abril passado sinaliza perdas de direitos arduamente conquistados no Brasil. A impressão é que uma trupe da maldade, da qual o povo é refém, se aboletou na Câmara dos Deputados e de lá toca terror.
Primeiramente, foi aprovado em 22.4.2015 o PL 4.330, de Sandro Mabel (PMDB-GO), que amplia a terceirização e aprofunda a precarização do trabalho – configurando derrota dos direitos trabalhistas. No Senado, nem dá para atinar o que ocorrerá!



Em 28 de maio passado, foi aprovado “o PL 4.148/2008, de Luís Carlos Heinze (PP-RS), que acaba com a exigência do símbolo da transgenia nos rótulos dos produtos com organismos geneticamente modificados (OGM)”.


Resultado de imagem para transgênicos


O citado PL tem fortes possibilidades de aprovação no Senado. Diferentemente das terceirizações, não há uma mobilização popular capaz de acuar senadores. O povo não tem domínio do que é um alimento transgênico e nunca tivemos um governo consciente o bastante para informá-lo. O governo Lula “adotou” os transgênicos sem chiar.


Resultado de imagem para transgênicos

A aprovação do PL 4.148/2008 usurpa os direitos de saber e de escolher – não é apenas uma imoralidade, mas um crime contra os direitos do consumidor! Sou uma militante contra os transgênicos há muitos anos, focada nas questões de biossegurança.




Os transgênicos são obtidos por uma biotecnologia denominada transgênese ou transgenia – manipulação genética que rompe as fronteiras entre as espécies: adição de um gene estrangeiro (animal ou vegetal) ao genoma (conjunto dos genes de uma espécie) de um ser vivo qualquer, animal ou vegetal.
Os impactos dos transgênicos no meio ambiente e na saúde humana ainda são uma incógnita. Faltam pesquisas que provem se são “do bem” ou “do mal”. Fiquemos alertas, pois, como os cientistas estão divididos em pró e contra os transgênicos, nós, as pessoas comuns, devemos ter medo. Não é possível ter segurança sobre o que nem cientistas sabem!


 Escrevi o primeiro livro de popularização da ciência sobre engenharia genética publicado no Brasil, “Engenharia Genética: o sétimo dia da criação” (Moderna, 1995). Sou autora também do “Transgênicos: o direito de saber e a liberdade de escolher” (Mazza Edições, 2000). Em ambos mostro que as manipulações genéticas são importantes e contêm potencial de impacto na vida cotidiana tão grande e profundo que é um direito e um dever todo mundo ter acesso a um mínimo de alfabetização tecnocientífica no assunto, pelo menos o bastante para ouvir ou ler uma notícia e saber do que se trata.


  Até hoje, o que escrevi em “Transgênicos: o direito de saber e a liberdade de escolher” não foi superado cientificamente – o que é paradoxal em biociências, que evoluem tanto, porém não há pesquisas sobre a biossegurança dos transgênicos. As empresas de biotecnologias e o agronegócio enrolaram o mundo, dizendo que os transgênicos não fazem mal à saúde sem fazer pesquisas que balizem a afirmativa.
E, agora, os “vendilhões da pátria” buscam solapar o direito à informação. É infâmia demais! A rotulagem dos transgênicos assegura sabermos o que estamos comprando e se desejamos comer aquele alimento, mas não garante nem substitui questões pertinentes à segurança alimentar.


Resultado de imagem para perigos dos transgênicos
Resultado de imagem para perigos do milho transgênico   Repito: “é tendo em conta a ignorância da ciência que não podemos permitir que os transgênicos passem a fazer parte de nossa alimentação tal como os produtos alimentícios da natureza, sob pena de que talvez nem sequer tenhamos tempo para maldizer o amanhã”.


 PUBLICADO EM 05.05.15
  FONTE: OTEMPO
Resultado de imagem para engenharia genética: o sétimo dia da criação

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