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terça-feira, 24 de junho de 2014

Papete, a expressão do sagrado do São João maranhense

12 (DUKE)
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_
 
 
Retornei ao Maranhão, “meu tesouro, meu torrão”, num período festivo, época de são João, de muitas danças, como tambor de crioula, danças portuguesa, francesa, cigana, do coco, lelê e cacuriá, e quadrilhas puxadas em francês impecável, numa diversidade de ritmos e de vestuários que encanta, nas quais o centro é de fato a ópera de rua encenada pelos batalhões de bumba meu boi com inebriantes sotaques – de orquestra, de matraca, de zabumba, de batida costa de mão... Sem falar que, em cada arraial – local de celebração dos festejos juninos –, se exibe a orgia culinária da ilha de São Luís: bebidas e comidas da época e as típicas, como arroz de cuxá, tortas de camarão e de caranguejo...
 
 
  (Cacuriá) 
 (Arroz Maria Isabel) 
 (Arroz de cuxá)


Melissa Alecrim, em “Bumba Meu Boi é Pura Cintilância”, relembra que é uma ópera popular surgida no século XVI, tipificada como um bailado popular dramático; um auto genuinamente brasileiro, sem similar em Portugal e na África, em que se mesclam teatro, dança, música e circo; o “couro do boi” é ricamente bordado, de brilho incomum e beleza deslumbrante, com brincantes de vestes cintilantes: brilhos, sedas, canutilhos, miçangas, paetês, purpurina, plumas, fitas e fitas…
 
 
 
Boi Meu Tamarineiro, de São José de Ribamar,já passou pela Nauro Machado (Foto: Flora Dolores)   (Boi Meu Tamarineiro de Ribamar, Foto: Flora Dolores)

Paulo Melo e Sousa frisa que “unindo a religiosidade, o misticismo, os ritmos, a beleza e a riqueza de elementos culturais, o bumba meu boi do Maranhão se destaca no panorama nacional. Por essa razão, a brincadeira foi considerada pelo Iphan patrimônio cultural imaterial brasileiro em 2008”.

 
 


Como não há ser humano capaz de ir a todos os arraiais, decidi ir ao arraial da praça Maria Aragão no dia 19, onde assisti ao show de Papete e aos bois de Nina Rodrigues e de Pindaré. No dia 20, fui ao arraial do Parque Folclórico da Vila Palmeira, onde assisti ao Boi Meu Tamarineiro de Ribamar e ao Boi da Lua, uma grande paixão.
 
 
 
Papete (José de Ribamar Viana), beirando os 67 anos (8.11.1947, Bacabal, MA), que eu havia visto no Teatro Artur Azevedo, no fim da década de 1980, estava apoteótico, botando todo mundo para cantar e dançar no arraial da praça Maria Aragão.
Foi um show emocionante. É impossível para um maranhense não associar “Chora, Boi da Lua”, composição de César Teixeira, a Papete: “Meu são João.../ são João, meu são João/ Eu vim pagar a promessa/ De trazer esse boizinho/ Para alegrar sua festa/ Olhos de papel de seda/ Com uma estrela na testa... Chora, chora/ Chora, boi da lua, vem pedir uma esmola/ Pra aquela boneca de anil/ Mamãe, eu vi boi da lua/ Dançar no planeta do Brasil”.
 
 
   (São Marçal - Foto: Renato Pereira da obra de Péricles Rocha).
 

O “Dicionário Cravo Alvim da Música Popular Brasileira” registra que, “entre 1979 e 1981, Papete foi músico em shows de Toquinho e Vinicius de Moraes e, de 1982 a 1992, acompanhou Toquinho em 482 shows, em turnê por 18 países”. E que “atuou em shows e gravações com Rosinha de Valença, Marília Medalha, Hermeto Pascoal, Osvaldinho da Cuíca, Toquinho e Vinicius, Benito de Paula, Inezita Barroso, Diana Pequeno, Renato Teixeira, Almir Sater, César Camargo Mariano, Rita Lee, Sadao Watanabe, Angelo Branduardi, Andreas Wollenweider, Ornella Vanone e Alex Acuña”.

 
  Papete, um dos cinco maiores percursionistas do mundo, com destaque internacional por sua técnica no berimbau, é também compositor e cantor; e é joia rara da música maranhense, com uma ligação afetiva e musical com os folguedos juninos. Desde 1990, acompanhado de sua própria banda, interpreta músicas do Maranhão, ao mesmo tempo em que desenvolve “pesquisa, registro e divulgação das obras de compositores maranhenses”.

PUBLICADO EM 24/06/14  FONTE: OTEMPO 

terça-feira, 17 de junho de 2014

O sexismo e a indigência da dupla moral dos VIPs do Itaquerão

Dilma diz que perdoa torcedores que a xingaram  na abertura da Copa, em SP













Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_

 
A cidade de São Luís (MA) continua de beleza única! Na primeira crônica que escrevo em plagas ludovicenses, recorro a um antigo vocábulo. Refiro-me à palavra “curra” – violência sexual praticada por mais de um indivíduo, tornando a violentada mais indefesa.
Na ilha de São Luís, quando se dizia “fulana foi currada”, significava abuso sexual por vários homens, por vias vaginal e anal. Definição tão introjetada que a imagem que me veio à cabeça quando ouvi o jogral orquestrado contra a presidenta foi a de uma curra vindo de um setor do Itaquerão, o de ingressos mais caros, lugar de gente VIP – termo obsoleto da década de 1935 a 1945, do inglês: “Very Important Person”. Hem-hem!
Tive a certeza de que, se quem ocupasse a Presidência da República fosse um homem ou um cachorro, não teriam ousado desejar currá-lo. Isso tem nome: machismo absoluto! O que ouvimos no Itaquerão foi a explicitação de um desejo criminoso: currar a mulher que ocupa a Presidência da República, como uma forma vil de desmoralizá-la publicamente, por parte de gente que, não tendo votos para ocupar a Presidência da República, odeia quem tem! Nada de Dilma sitiada! Um tiro pela culatra que uniu o país em torno de Dilma!
 
 

 
Há mais: os VIPs do Itaquerão são tão toscamente hipócritas que, apenas para consumo público, acham sexo anal uma forma de xingar, consagrando uma burrice em palavrão e ofensa... Nada mais que a mais pura tradução da ignorância em matéria de sexualidade humana e preconceito supostamente dirigido, erradamente, a gays, como se sexo anal fosse monopólio deles!
Vamos consensuar: quem acha que o sexo anal consentido é degradante tem cabeça de camarão, que o saber popular no Maranhão diz que contém merda, pero não é vero: a ciência diz que na cabeça do camarão fica o sistema excretor, inclusive de urina, exceto fezes, que são excretadas pelo télson (ânus), que fica no último segmento abdominal.
O sexo anal consentido, sem conotações de violência, é uma forma universal de obtenção de prazer sexual tão antiga quanto a humanidade, embora algumas culturas ou religiões considerem errado, crime e/ou pecado. Tanto que a maldita Santíssima Inquisição condenava à fogueira quem o praticava, menos sacerdotes católicos!
Sacerdotes da antiga Mesopotâmia praticavam o sexo anal como meio de conexão com os deuses, acreditando que o homoerotismo refletia capacidade espiritual! Para o escritor Marcelo Tsitsa, “na Grécia Antiga não existiam os termos ‘homossexual’ e ‘heterossexual’, bem como não havia uma identidade sexual como há hoje. Um homem poderia ter relações sexuais com homens e mulheres, tudo dependia da beleza”.
O caso protagonizado pelos VIPs do Itaquerão atesta que não são os “finos” que se acham, apenas se revelam curradores, isto é, criminosos; e lembram aquele norte-americano invejoso da grama dos jardins e parques ingleses que um dia perguntou a um jardineiro inglês por que a grama da casa dele, nos Estados Unidos, nunca ficava como aquela do jardim que ele cuidava. Ao que o jardineiro respondeu: “Semeie a grama e espere mil anos...”.
Tem razão Dilma ao dizer categoricamente: “Eu não vou me deixar (...) atemorizar por xingamentos que não podem ser nem sequer escutados pelas crianças e pelas famílias. Aliás, na minha vida pessoal, eu quero lembrar que eu enfrentei situações do mais alto grau de dificuldade. Situações que chegaram ao limite físico. Eu suportei não foram agressões verbais, mas agressões físicas. E nada me tirou do meu rumo”.


 PUBLICADO EM 17.06.14
 FONTE:  OTEMPO

terça-feira, 10 de junho de 2014

Cozinhar decepções políticas é uma arte aprendida na luta

01 (DUKE)
A rendição do Ministério da Saúde ao fundamentalismo religioso
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_
 
 
Cozinhar decepções políticas requer fidelidade aos princípios que regem a visão de mundo que adotamos e consciência crítica na avaliação, à luz do contexto dos fatos. Um desejo que alimento é “fazer um tempo” para estudar a rendição do Ministério da Saúde ao fundamentalismo religioso no governo Dilma.
O Brasil é uma República democrática e laica, então leis e políticas públicas devem se pautar por princípios que referendam o laicismo. Nas eleições presidenciais de 2010, nós, as feministas, jogamos um papel de vulto em defesa do Estado laico e do respeito à liberdade reprodutiva – que considera a maternidade voluntária um valor moral, político e ético, que apoia as decisões reprodutivas das mulheres, independentemente da fé que professam.
Em 28.3.2011, a presidenta Dilma Rousseff, acompanhada do então ministro da Saúde, Alexandre Padilha, um fundamentalista de quatro costados, lançou em BH a Rede Cegonha, que, dentre outras coisas discutíveis, previa a criação de um Cadastro Nacional de Gestantes, quando já existiam outras formas de coleta de dados. Apesar das resistências, em 26.12.2011, foi elaborada uma medida provisória, a MP 557, que em si era catastrófica: tornava o nascituro sujeito de direitos plenos, tal quais os já nascidos!
 
 
 
 
O que exigiu de nós, que defendemos a separação entre Estado e religiões e a liberdade religiosa, um aguerrido combate, que resultou na extinção da MP 557 por decurso de prazo, em 31.5.2012. A leitura é que Dilma se convenceu de que a MP 557 era um golpe da gente da alta cúpula do Ministério da Saúde, cúmplice do “leilão de ovários”, que destruía conquistas do governo Lula: a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher. Ganhamos e não levamos, pois a Área Técnica de Saúde da Mulher, como espaço de efetivação de direitos, notadamente em áreas críticas como os direitos sexuais e os direitos reprodutivos, foi reduzida a quase nada!

Caducou a MP 557: Vitória dos movimentos sociais! 



Nas eleições de 2010,
nós, as feministas,
jogamos um papel de vulto
em defesa do Estado laico,
mas quem comanda o
andar da carruagem é Dilma!
 
 
 
 
Em 1º.8.2013, uma vitória mais política do que prática – já que a “Norma Técnica Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Meninas” data de 1998, gestão do ministro Serra! –; foi sancionada, sem vetos, em meio à gritaria de fundamentalistas cristãos, a Lei 12.845, que “dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual”.
Em 22.5.2014, o “Diário Oficial da União” publicou a Portaria 415, que alterava a forma de registro dos casos de aborto previstos em lei (gravidez resultante de estupro, risco de vida da gestante e em casos de anencefalia) e elevava de R$ 170 para R$ 443 o valor que o SUS paga pelo procedimento. Celebrei calada. Sabia que o governo capitularia à tosquice do fundamentalismo, pois estávamos diante de uma viúva Porcina, “a que foi sem nunca ter sido”, já que “os contra” argumentavam que a portaria legalizava o aborto no Brasil!
 




Não esperamos muito. Em 29.5. 2014, o ministro Arthur Chioro editou a Portaria 437, revogando a 443, alegando demanda de “debates técnicos” (quais?) e erros de cálculos na tabela! A Frente Parlamentar Evangélica o desmentiu, dizendo que recuou sob ameaças de um projeto de lei contra a regulamentação até dos “Casos de Aborto Previstos em Lei”, alçando o aborto ao centro dos debates das eleições de 2014!
Para ser franca, criticamos os ministros fundamentalistas, mas quem comanda o andar da carruagem é Dilma, em quem me vejo obrigada a votar mais uma vez porque o leque de candidaturas postas, ideologicamente e em todos os aspectos, é bem pior e misógina!



  PUBLICADO EM 10.06.14
  FONTE: OTEMPO

terça-feira, 3 de junho de 2014

Ultrapassando as soleiras da velhice com saúde e autonomia

  (Seymour Joseph Guy)  
Mora sozinha, dirige o seu carro, vai ao cinema e ao teatro
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_

 
Envelhecer, em si, não tem sido problema, apenas uma espera que encarei com naturalidade e amando meus cabelos brancos, como falei em “O poder grisalho é só para quem tem coragem e teimosia” (O TEMPO, 2.11.2010).
Não crendo no elixir da juventude e na contramão da uma sociedade obcecada pela eternização da juventude, vi a velhice chegar com serenidade e sensibilidade pela sofrença de pessoas idosas com doenças e perda da autonomia, meu único temor como “mulher difícil”– que manda na própria vida (“Difíceis, empoderadas e felizes”, O TEMPO, 31.5.2006).


 (Seymour Joseph Guy)

 
Como médica, sei dos significados da velhice dependente de cuidados. Por alto, elenco algumas crônicas que garatujei abordando o tema: “Cuidadora familiar” (4.2.2004); “Um pacto civilizatório para os cuidados na infância e na velhice” (13.3.2012); “Infância e velhice descuidadas atestam descaso e crueldade” (20.3.2012); e “A velhice maltratada, roubada, abandonada e vilipendiada” (15.1.2013). Todas publicadas em O TEMPO.
Todavia, nenhuma causou mais impacto do que “O Estado brasileiro doou a minha vida para os bancos!” (20.5.2014), que gerou a reportagem impecável de Queila Ariadne: “Alô, aposentado, que tal você conhecer o Leste Europeu?” (O TEMPO, 1º.6.2014).

 
 (Charles Edward Wilson)

 
A repercussão da crônica foi robusta entre aposentadas, de quem recebi alguns e-mails, a maioria de chorar, relatando as agruras da aposentadoria sob a batuta da exploração familiar... Em muitas famílias, ter uma pessoa aposentada é renda extra para consumo geral!
 
 
    (Louis C. Moeller)
 
 
Muitas aposentadas vivem penduradas no empréstimo consignado para “ajudar” a filharada inconformada em surrupiar apenas os trocados da aposentadoria e/ou da pensão mensalmente, às vezes deixando a mãe passar necessidades, inclusive de alimentação, para prover vida fácil para o resto da família! Uma disse-me que o discurso das bancárias do setor do INSS é copiado da vida real: “Mãe, deixe de ser egoísta, a gente precisando, a senhora pode e não quer ajudar!”.
 
 

 (Charles Edward Wilson)  (Gabor Vida)
 
 
Um filho é “dono” do
cartão dela e, mal paga
um empréstimo, faz
outro! Ter aposentado
na família é meio de
vida fácil para a
exploração familiar.


 
  (Adolf Reich)
 
 
Uma professora universitária aposentada há muitos anos, pensionista há dez, divide a razoável pensão do marido entre as três filhas, por exigência absoluta delas, que dizem que ela não precisa de tanto dinheiro! Fez empréstimo consignado três vezes para que elas trocassem de carro! Por último, não permitem que ela faça excursões, como era acostumada a fazer. “Nada de preocupação saudável, não! É para sobrar mais para elas!”. Agora, ameaçando-a de interdição judicial, querem que venda o bom apartamento em que vive e vá morar num “residencial de idosos”.
Telefonei para prestar solidariedade diante do serpentário em que ela vive, apesar da lucidez, da independência financeira e da autonomia: mora sozinha, dirige seu carro, faz a sua comida quando quer, mas em geral pede comida pronta, vai ao cinema e ao teatro com frequência, adora ler e, depois dos 76 anos, conta com uma acompanhante que dorme com ela.
Finalizou contando que tem uma faxineira, uma vez por semana, que é aposentada e não sabe a cor do dinheiro, pois um filho é “dono” do cartão dela e, mal paga um empréstimo, faz outro! E arrematou: “Ter aposentado na família, do salário mínimo aos muitos mil, o meu caso, é meio de vida fácil para a exploração familiar. A única vantagem é que a qualquer espirro levam a gente ao médico, mas não é por amor, é só cuidado com a galinha dos ovos de ouro!”.
Resta comer bombom, como disse Carlos Drummond de Andrade: “Há duas épocas da vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombom”.
 

 (Charles Spencelayh) PUBLICADO EM 03/06/14
 (Charles Spencelayh)
FONTE: OTEMPO
Ilustrações extraídas de Velhice - Artecultura

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Assédio de financeiras compromete orçamento de aposentado e pensionista - “Alô aposentado, que tal você conhecer o Leste Europeu?”

Audácia - “Alô aposentado, que tal você conhecer o Leste Europeu?”
Para fisgar beneficiários do INSS, telemarketing de bancos até sugere como gastar o empréstimo
Queila Ariadne

A-G

infografico Caça aos aposentados e pensionistas
Funcionários trocariam informações
Idec diz que assédio fere Constituição e Código Civil