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terça-feira, 26 de novembro de 2013

O fascínio de Summerhill, uma escola democrática e instigante

 (Summerhill)
Melhor um varredor de rua feliz do que um premiê neurótico
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_

Criar filhos em uma sociedade cada vez mais individualista e consumista é um desafio de fritar neurônios. Penso que o antídoto está nas escolas humanistas, solidárias, que educam para a liberdade e a felicidade. Sei que sou o que sou, e gosto do que sou, graças a uma escola pautada por uma visão humanista, o Colégio Colinense.
 
 
  (Maria Montessori)
 
Sou uma professora normalista que se formou em medicina. Amei estudar filosofia e conhecer os grandes pensadores da educação. Já escrevi sobre uma educadora admirável: “Maria Montessori: médicaitaliana fascinada pela educação” (O TEMPO, 6.11.2012). Minha neta Clarinha, de quase 4 anos, vai para uma escola montessoriana, a Upaon-Açu, em São Luís (MA), que ela amou ao primeiro olhar; e quando perguntei se gostou da escola nova, ela tascou: “Hum hum... Eu não estudei lá ainda não, vovó! Fui só passear”. E se encantou com a biblioteca... 

 
 (Clarinha)
 
  (Centro de Ensino Upaon-Açu)
asneill_04.jpg (Neill)
Livro - Liberdade sem Medo - Autor A. S. Neill - CD de AudiolivroReverencio o educador escocês Alexander Sutherland Neill (A. S. Neill, 1883-1973), o lendário criador de Summerhill, desde que li “Liberdade sem Medo (Summerhill)”. A origem da pedagogia libertária e antiautoritária de Summerhill é a International School, em Hellerau, Dresden, Alemanha, em 1921, que migrou para o topo de uma montanha na Áustria; em 1923, foi para uma casa chamada Summerhill (Outeiro de Verão), em Lyme Regis, Inglaterra; e em 1927 se instalou, definitivamente, numa chácara, em Leiston, condado de Suffolk, a 160 km de Londres.
 
Criar filhos em uma
sociedade individualista
e consumista
é um desafio. Antídoto está
nas escolas humanistas,
que educam para
a liberdade e a felicidade.
 
summerhill school O que é Summerhill? É uma escola democrática pioneira, para crianças a partir de 5 anos e jovens até 18 anos (ensino fundamental e médio), em regime de internato, que se autorregula – as decisões são tomadas em assembleias, nas quais os votos de professores, alunos e funcionários possuem peso igual – e nenhum adulto possui mais direitos que uma criança; assistir a aulas não é obrigatório, embora ofereça a grade curricular oficial. Para Neill, o objetivo da escola é fornecer equilíbrio emocional, a principal via para a felicidade.
A dentista Nadia Hartmann, ex-aluna de Summerhill, ficou anos sem ir à aula, até que resolveu ser dentista e “decidiu se focar e estudar para as provas”. Seus dois filhos estudam lá. Ela é a prova do que Neill pensava: “Constranger uma criança a estudar alguma coisa tem a mesma força de um governo que obriga a adotar uma religião”.
 
 
  A inspiração filosófica de Summerhill foi a compreensão de Neill de que “A humanidade está doente e essa doença decorre do tratamento repressivo que as crianças recebem numa sociedade patriarcal. Inclusive nas questões ligadas à repressão sexual, em especial quando associadas a normas religiosas malcompreendidas”.
 
 
Fájl:ZoePortrait.jpg (Zoë Neill Readhead) 
 
Summerhill é dirigida pela filha de Neill, que nasceu, estudou e vive lá: Zoë Readhead, instrutora de equitação. A média do número de alunos é entre 80 e 90, de vários países. Em 92 anos, nenhum caso de gravidez adolescente nem de drogadização. Zoë declarou que Summerhill ignora os diagnósticos de Transtornos de Déficit de Atenção com Hiperatividade, pois “Nós não categorizamos os alunos”.
Indagada “O que será de seus alunos quando eles deixarem Summerhill?”, disse Zoë: “Nossos formandos são muito bons em concretizar a imaginação. Eles fazem acontecer! Temos empresários de sucesso, escritores, cientistas, médicos e muitos formandos se decidem por profissões criativas” – gente que guarda Summerhill como a experiência mais marcante de suas vidas, concretizando o sonho de Neill: “Preferiria que Summerhill produzisse um varredor de rua feliz do que um primeiro-ministro neurótico”.
 
PUBLICADO EM 26.11.13
Livro - Summerhill e A. S. Neill - A Escola com a Democracia Infantil Mais Antiga do Mundo FONTE: OTEMPO 

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Urge sensibilizar candidaturas ao Executivo para compromissos com o SUS


Quem não sabe do que o povo de fato precisa não merece ser eleito!
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_
 
 
Nas campanhas eleitorais, causa indignação o tanto que os candidatos a cargos executivos (prefeitos, governadores e presidente da República) e seus marqueteiros não sabem o que é o Sistema Único de Saúde (SUS) e o desconhecem como a política nacional de saúde garantida na Constituição Federal de 1988 – uma política de Estado!
Se soubessem, teriam apenas um compromisso: universalizar o SUS! Nem mais, nem menos! Como desconhecem, se danam a prometer “coisas” no varejo, como se não houvesse uma diretiva nacional a seguir: o SUS, a política de saúde mais ampla e completa de um país no mundo!
 

  Um caso exemplar é o do Maranhão. A eterna governadora Roseana Sarney e o seu vice do PT, vulgo Luiz Macaxeira, dizendo ser o maior “programa” de saúde da história do Maranhão, inventaram o Saúde é Vida (olha a tolice: trocar política de Estado por programa!), cujo carro-chefe seria a construção de 72 hospitais, com abertura de 1.944 leitos. Nem metade dos prometidos existe! E os inaugurados, com problemas de diferentes ordens, como disse Martins Costa Neto (PRB), prefeito de São Félix de Balsas: “Eles construíram um hospital de grande porte para um município de pequeno porte. Além disso, sempre atrasam o repasse dos recursos, repasse que já não é suficiente para manter aquele elefante branco” (“Mais um prefeito desmascara farsa do Saúde é Vida”, 12.9.2013).
 
 
Hospital São Félix    Ai, meus sais! Uma canseira a tosquice dessa gente que se dana a prometer UPAs a granel, ambulâncias e UTIs-cegonha e hospitais a granel, despudoradamente, como se não houvesse uma política nacional de saúde à espera de implantação/implementação e sem considerar que é a partir dos princípios do SUS que resolveremos, paulatinamente, os entraves à atenção à saúde de modo digno.
 

UPA-do-Araçagy
 

“Causa indignação que
candidatos a prefeito,
governador e
presidente não saibam
o que é e desconheçam
o SUS como a política
nacional de saúde”



É emergencial uma alfabetização em SUS! Carmen Teixeira, em “Os princípios do Sistema Único de Saúde”, escreveu: “O SUS pode ser entendido, em primeiro lugar, como uma ‘Política de Estado’, materialização de uma decisão adotada pelo Congresso Nacional, em 1988, na chamada Constituição cidadã: ‘Saúde, direito de todos, dever do Estado’”.
E continua: “O SUS assume e consagra os princípios da universalidade, equidade e integralidade da atenção à saúde da população brasileira, o que implica concebê-lo como ‘imagem-objetivo’ de um processo de reforma do sistema de saúde ‘herdado’ do período anterior, um ‘sistema de saúde’ capaz de garantir o acesso universal da população a bens e serviços que garantam sua saúde e bem-estar, de forma equitativa e integral... Aos princípios ‘finalísticos’, que dizem respeito à natureza do sistema que se pretende conformar, agregam-se os ‘princípios estratégicos’: as diretrizes políticas, organizativas e operacionais que apontam ‘como’ deve vir a ser construído o ‘sistema’ que se quer conformar, institucionalizar. Tais princípios são a descentralização, a regionalização, a hierarquização e a participação social. A universalidade, portanto, é um princípio finalístico, ou seja, é um ideal a ser alcançado... Para que o SUS venha a ser universal, é preciso se desencadear um processo de universalização”.
Compromisso com o SUS é a promessa de universalizar suas ações. O resto é firula! É desconfiar de candidaturas que prometem “coisas” a granel, demonstrando a mais completa e absoluta ignorância das questões de saúde da cidade, do Estado e do país que querem governar.
Quem não sabe do que o povo de fato precisa não merece ser eleito!

01 DUKE


FONTE: OTEMPO, 19.11.2013
 

terça-feira, 12 de novembro de 2013

O debate e o embate sobre as cotas para parlamentares negros

  (Deputado Luiz Alberto, PT-BA)

Eis uma discussão rumo à justiça racial/étnica que promete
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_


Em 30 de outubro passado a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados deu parecer favorável à Propostade Emenda à Constituição (PEC) 116/2011, do deputado Luiz Alberto (PT-BA), do Movimento Negro e coordenador da Frente Parlamentar Mista pela Igualdade Racial e em Defesa dos Quilombolas, que reserva vagas a parlamentares de origem negra, na Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmara Legislativa do DF, por cinco legislaturas (20 anos), prorrogáveis até por mais outras cinco.
A proposta ainda tramitará por uma comissão especial antes da votação em dois turnos no plenário da Câmara dos Deputados. O garatujar de hoje é de teor informativo acerca de um tema novo, mas não original: já tivemos deputados(as) federais classistas (1933-1937), com vistas a “diminuir a hegemonia política representativa do ancien regime”, conforme Getúlio Vargas.
 
Almerinda Farias Gama - 27/07/2012 [Divulgação]   [Almerinda Farias Gama,  alagoana, negra, primeira mulher a ganhar holofotes no cenário político brasileiro. Presidenta do Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos, foi deputada classista na Assembleia Nacional Constituinte (1933), advogada e feminista]

 

A PEC 116/2011 determina que:
1.      O critério para a candidatura é o da autodeclaração;
2.      Cada eleitor(a) terá direito a dois votos: um para a lista geral de candidaturas e outro  específico para a lista de candidaturas negras;
3.      O voto específico visa cumprir a reserva de cotas raciais;
4.      O porcentual de vagas da cota deve corresponder a dois terços do somatório de pessoas que se declararam pretas ou pardas no último censo demográfico – pelo censo de 2010, esse percentual seria de 50,7%;
5.      O número de vagas destinadas à população negra não poderá ser menor que um quinto (20%) ou superior a metade (50%)  das vagas disponíveis;


“A polêmica agora
será maior. Trata-se de
ampliar a participação
popular num ambiente
de disputa real de
poder. A resistência
será maior”.


Dizendo que menos de 5% dos deputados federais e apenas 2 senadores, de um total de 82, são negros, o deputado Luiz Alberto arremata: O que se propõe é dar um choque de democracia nas casas legislativas. Em resposta à indagação: “Acha que as cotas no Legislativo serão tratadas pelos deputados como as cotas universitárias?”, declarou: “Não. A polêmica agora será maior, porque se trata de uma tentativa de ampliar a participação de setores mais populares num ambiente de disputa real de poder. É ali que são decididos os rumos do Brasil. A resistência será maior”.
Matéria veiculada pela Afropress – Agência de notícias destaca que a PEC 116/2011 padece de três problemas: rompe com o princípio de cotas e demais ações afirmativas como medidas inclusivas e não segregacionistas, referendado pelo STF (opinião que carece de sustentação); e poupa os Partidos do enfrentamento da ínfima presença negra nas candidaturas (é fato!); e que “ao invés de fazer com que discutam políticas de inclusão e até estabeleçam cotas para preenchimento das vagas em disputa, a proposta repassaria aos eleitores essa tarefa e criaria a categoria de deputados de segunda – os eleitos por voto específico – os negros”, o que é discutível.
 
 


 Para mais nuances à discussão, lembro a figura de deputado(a) classista, criada por Getúlio Vargas, Código Eleitoral de 1933, para integrar a Constituinte, referendada pela Constituição de 1934, abolida pelo Estado Novo (1937), como representação parlamentar de entidades classistas, patronais e de trabalhadores sindicalizados – eleitos pelos sindicatos, com os mesmos direitos de quem se elegeu pelo voto popular. Para a Câmara Federal eram 40 deputados classistas: 20 dos empregados, sendo dois funcionários públicos; e 20 dos empregadores, dos quais três profissionais liberais. Para a 36ª e 37ª Legislaturas foram eleitos 50 representantes.
Eis uma discussão rumo à justiça racial/étnica que promete ser calorosa. Zumbi vive!
 
 
Busto de Zumbi dos Palmares, no Rio  (Busto de Zumbi dos Palmares, no Rio)

12.11.2013
           OPINIÃO, pág. 20 de O TEMPO impresso

Indicação de leitura: O conceito de democracia na proposta de representação classista na Constituinte de 1934, Vera Alves Cepêda

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Um olhar sobre o Manifesto dos Mineiros 70 anos depois

01
Evidente a coragem dos signatários, todos da elite mineira
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_
 
Minas Gerais celebra com múltiplas homenagens os 70 anos do Manifesto dos Mineiros, intitulado “Ao povo mineiro”, lançado em 24 de outubro de 1943, tendo como signatários iniciais 76 nomes, que depois passaram para 92. O documento tem seu lugar na história pelo reconhecimento de que foi, efetivamente, o segundo passo, visível e ostensivo, contra a ditadura do Estado Novo e pela redemocratização do país. O primeiro passo foi a passeata da UNE, em julho de 1942, com expressiva participação popular, exigindo a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, com vistas a forçar o governo a aderir aos Aliados, pois, como é de domínio público, Vargas flertava com o Eixo, tanto que os principais nomes do seu governo eram ostensivamente alinhados com ele!
 
 

  (Manifestação da UNE em 1942 pela entrada do Brasil na guerra)


Eram tempos tenebrosos, de vozes silenciadas e Congresso Nacional fechado. Basta rememorar a história do Brasil sob a vigência da ditadura Vargas (1937-1945), guiada pela Lei de Segurança Nacional, aplicada ferreamente pela polícia política de Filinto Müller (1900-1973). São razões suficientes para evidenciar a coragem dos signatários, todos da elite mineira e de ideais liberais – intelectuais, advogados, médicos, comerciantes, fazendeiros, industriais –, grande parte oriunda da Aliança Liberal, surgida no bojo da Revolução de 1930, como bem diz Fernando Luis Battistini Silveira, em “Estado da Arte: Manifesto dos Mineiros”: “A Revolução de 1930 traz consigo o surgimento da Aliança Liberal, formada por políticos ansiosos quanto à instalação de uma nova forma de governo, em detrimento das políticas da chamada República Velha. Apesar de vitoriosa no golpe de 30, Vargas não segue os interesses liberais de parte da sua base política. A implantação do Estado Novo veio para deixar claro o rompimento entre Getúlio e sua base liberal.

O documento tem seu
lugar na história pelo
reconhecimento de
que foi o segundo passo,
contra a ditadura do
Estado Novo e pela
redemocratização do país.
 
 

Considerados traídos com o surgimento do governo autoritário, esses políticos nada puderam fazer para questionar o poder de Vargas. Contando com o apoio do Exército, que em sua trajetória assume um papel preponderante no cenário nacional, através de censuras e propagandas que garantiam somente a publicação de materiais de interesse do ditador, os antigos membros da Aliança Liberal pouco podiam expressar sua opinião”.
 
 
Estado Novo: período de controle e concessão aos trabalhadores

 
Otávio Soares Dulci, citado por Fernando Luis Battistini Silveira, em artigo de abril de 2006 para a revista “Nossa História”, “considera também o texto da ‘carta aos mineiros’ bastante moderado, concordando com os outros autores de que o reconhecimento do documento se deve justamente nas atitudes repreensivas adotadas pelo governo”; além do que, “entende o Manifesto dos Mineiros como uma disputa de ideologias para a futura democracia brasileira do pós-guerra. Ao contrário da democracia trabalhista que Vargas almejava realizar, os signatários pensavam em uma democratização liberal (entendida principalmente pelo rompimento com as medidas trabalhistas adotadas por Getúlio), onde o Estado não daria vantagens a nenhuma das classes”.
 
 
301045  (29 de outubro de 1945)
Jornal do Brasil: Terça-feira, 30 de outubro de 1945  (JB, 30 de outubro de 1945)
 
 Não há dúvida quanto ao caráter laudatório da democracia constante no Manifesto dos Mineiros, mas há que se destacar a sua acentuada marca regional, embora tenha circulado no Rio de Janeiro, em São Paulo, na Bahia e em Pernambuco, bem como o seu inegável caráter de classe e de disputa ideológica: pois a maioria dos assinantes se filiou à União Democrática Nacional (UDN), criada em 7 de abril de 1945, em oposição frontal a Vargas.
Enfim, pés no chão para não distorcer a história: nem tanto ao mar e nem tanto à terra!
 


 
 PUBLICADO EM 05.11.13
  FONTE:
OTEMPO