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terça-feira, 29 de outubro de 2013

Malala Yousafzai: uma menina que queria apenas estudar



Com a sua campanha, ela ganhou a simpatiado mundo
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_

Paquistanesa de Mingora, no vale do Swat, Malala Yousafzai, 16, sobreviveu a um atentado dos talebans: um tiro na cabeça quando voltava de ônibus da escola, em 9 de outubro de 2012, sob alegação de “promover a cultura ocidental em áreas pashtuns”. Através de sua campanha em prol do direito à educação das meninas e contra o fundamentalismo religioso, ela ganhou a simpatia do mundo.


  Não sem razão. “32 milhões de meninas estão fora da escola no mundo por três motivos: a percepção cultural sobre o papel que têm que cumprir na família, o custo da sua educação e a segurança no caminho do colégio, ou dentro da própria escola. Só no Paquistão, 3,2 milhões de garotas estão fora das escolas” (dados da KidsRights).

 




 

Malala foi levada de helicóptero para um hospital militar em Peshawar, capital do Paquistão. Após os primeiros atendimentos, foi transferida para Londres, onde finalizou seu tratamento. Jurada de morte no Paquistão, vive com sua família em Birmingham, Inglaterra. Mas Shahidullah Shahid, porta-voz do Taleban paquistanês, não se cansa de dizer: “Os talebans tomarão Malala como alvo tanto se estiver nos Estados Unidos quanto no Reino Unido”. Hoje ela é uma bem-articulada e desenvolta ativista internacional pelo direito à educação das meninas e contra o fundamentalismo religioso.

 
Meninas estão fora
da escola no mundo,
por três motivos: o
papel que têm que
cumprir na família, o
custo de sua educação
e a segurança na escola
 
 
  Em 2012, recebeu o Prêmio Internacional da Paz das Crianças, em Haia, premiação da organização humanitária KidsRights; criou o Fundo Malala com a doação de US$ 200 milhões feita pelo Banco Mundial para apoiar a educação das meninas no mundo; no último dia 10 de outubro, foi a mais jovem agraciada com o Prêmio Sakharov de Liberdade de Expressão do Parlamento Europeu, mais importante prêmio de direitos humanos da União Europeia, além de ter sido a pessoa mais jovem do mundo indicada ao Prêmio Nobel da Paz 2013, que foi concedido à Organização para a Proibição das Armas Químicas (Opaq).
Malala é filha de um professor paquistanês, Ziauddin Yousafzai, que cedo descobriu o gosto da filha pelos estudos e preceptora em áreas como literatura e humanidades desde bem criança. Ele era dono de uma escola mista que foi fechada em 2010 quando o vale do Swat foi ocupado pelo Taleban.




 
O ex-diretor do site da BBC no Paquistão Mirza Waheed declarou: “Ela é apenas uma menina que queria ir para a escola”. Em 2009, após a proibição da televisão, da música e da educação para meninas, Mirza Waheed acatou a sugestão de um repórter, Abdul Hai Kakkar, para que algum professor da escola de Ziauddin Yousafzai escrevesse sobre a vida no vale do Swat sob o regime do Taleban, porém os professores, com medo, não aceitaram. Malala Yousafzai, na época com 11 anos, aluna da sétima série, demonstrou interesse. E assim foi publicado “O Diário Escolar de uma Menina do Paquistão”, escrito por Malala Yousafzai, com o pseudônimo de Gul Makki.
 
 
 
Em seu livro “Eu sou Malala”, escrito com a jornalista Christina Lamb (Companhia das Letras), que ainda não li, no prólogo “O dia em que meu mundo mudou”, ela diz: “Venho de um país criado à meia-noite. Quando quase morri era meio-dia.
Há um ano saí de casa para ir à escola e nunca mais voltei. Levei um tiro de um dos homens do Taleban e mergulhei no inconsciente do Paquistão. Algumas pessoas dizem que não porei mais os pés em meu país, mas acredito firmemente que retornarei. Ser arrancada de uma nação que se ama é algo que não se deseja a ninguém”.
Malaia desejava ser médica, agora quer ser primeira-ministra do Paquistão.


 PUBLICADO EM 29.10.13
 FONTE: OTEMPO

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Arroz de toucinho com bacalhau: delícia culinária do sertão


A receita de uma das adoráveis comidas de conforto da vovó
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com 
 

 
Há dias em que os odores da comida da vovó se desprendem de minha memória olfativa. Na semana passada foi o arroz de toucinho com bacalhau... Calma, darei a receita de dona Maria, uma avó cheia de não me toques quando o assunto era comida.
Sou de uma família que janta. Quando eu queria mudar de pensionato em São Luís, a primeira pergunta que o pai velho fazia era “Aqui tem janta?” – em muitos pensionatos, no horário do jantar, só havia pão com manteiga e um cafezinho ralo com leite. E ele acunhava: “Filha minha não dorme com fome, enquanto eu vida tiver”. Fui criada jantando uma refeição nova, nada de ajantarado (mistura do que sobrou do almoço). Até hoje não como a mesma comida duas vezes no mesmo dia. Guardo sobras do almoço para comer em outro dia, no mesmo dia jamais!

 
 
 (Pedro Weingärtner. Fundo de quintal em Bento Gonçalves, na região de colonização italiana, 1913).



 
O jantar em nossa casa era frugal, bem mais simples do que o almoço, acompanhado da “saladinha de sempre”, que nunca mudava: pepino com tomate e cebolinha, com apenas uma carne, ou caldo de ovos, ou ovos estrelados, ou torta de sardinha. Mas o que eu adorava era arroz misturado com feijão e frango frito no azeite de coco babaçu. Lá pelo meio da tarde, depois da sesta, vovó levantava inspirada para astuciar “a janta”. De quibano cheio de milho na mão, ela ia pro quintal chamar as galinhas: “Ô meninos, venham pegar um franguinho pra gente comer”. E apontava o que era pra pegar – tinha de ser o escolhido por ela, outro não servia!
 
 
galinhas no quintal
 
 
Bacalhau já foi comida
de pobre, inclusive
em Portugal. Nunca foi
barato, mas não
custava os olhos da
cara; era mais para
dar gosto à comida.



Em meu tempo de menina, em qualquer vendinha de beira de estrada no sertão, havia carne seca e bacalhau, os desidratados mais famosos do sertão, pendurados na porta – para os incrédulos, bacalhau já foi comida de pobre, inclusive em Portugal. Nunca foi barato, mas não custava os olhos da cara; era mais para dar gosto à comida, então nunca se comprava muito, como dizia vovó: “Ô menina, pega um ‘fanisquim’ de bacalhau e ‘bota’ de molho. Vamos comer um arrozinho com toucinho com gosto de bacalhau”. Era uma comida tão deliciosa que só de lembrar a gente enche a barriga. 

Ingredientes: 200 g de toucinho; 300 g de bacalhau; 300 g de arroz; 1 copinho de cachaça (uma dose); 1 cebola média; 2 dentes de alho em rodelas; 2 dentes de alho amassados; 2 tomates maduros; pimentão verde, amarelo e vermelho a gosto (meio pimentão de cada cor é suficiente); azeite a gosto; sal e pimenta a gosto; coentro; cebolinha e vinagre.
 
toucinho alimentos

Modo de fazer: Retire o couro do toucinho; pique o toucinho bem miudinho e o coloque numa panela aquecida, com um pouco de sal e o alho em rodelas e frite até virar torresmo dourado e crocante; retire o excesso de gordura, deixando o bastante para um arroz não muito gordo; junte o alho amassado e a cebola e deixe dourar; adicionar o tomate em pedaços (sem pele e sementes) e os pimentões e, após bem refogado, junte a dose de cachaça e deixe ferver por uns três minutos; acrescente 2 copos de água e, quando levantar fervura, juntar o bacalhau cortado em quadrados pequenos e deixe cozinhar até ficar tenro, sem desmanchar; acrescentar o arroz e, após a fervura, verificar a quantidade de água, o sabor e retificar o sal, se necessário; deixar cozinhar em fogo brando; acrescentar a cebolinha, o coentro e borrifar com uma colher (sopa) de vinagre e a pimenta-do-reino. Esperar secar. Quando ficar pronto, acrescentar uma colher (sopa) de azeite e mexer bem. Azeite a gosto: quem gostar de mais azeite, acrescentar à sua porção já no prato.
Compartilhei uma das adoráveis comidas de conforto da vovó. Bom apetite!


 
Arroz de bacalhau de Macau PUBLICADO EM 22.10.13
 FONTE: OTEMPO 

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Os legados contraculturais de Norma Benguell e Gabriela Leite



A morte de dois ícones do hedonismo dos anos 1960 e 1970
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_
 
A primavera 2013 levou a atriz e cineasta Norma Benguell (1935-2013) e a encantadora prostituta e feminista Gabriela Leite (1951-2013) – ícones do hedonismo e de um postulado-alicerce da contracultura dos anos de 1960 e 1970: “Liberdade nos relacionamentos sexuais e amorosos”.




Norma Benguell foi manequim da Casa Canadá, nos anos de 1950; do teatro de revista de Carlos Machado; fez chanchada e gravou discos. Estrela do Cinema Novo, chegou à Europa a bordo de dois sucessos do nosso cinema: “Os Cafajestes” e “O Pagador de Promessas” – obra de Dias Gomes, filme de Anselmo Duarte, 1962, que ganhou em Cannes a única Palma de Ouro do Brasil, no qual Norma Benguell interpretava a prostituta Marli!
 
  Em “Os Cafajestes”, de Ruy Guerra (1962), fez o primeiro nu frontal do cinema nacional; estrelou 64 filmes, peças de teatro, novelas e séries de TV. Dirigiu quatro filmes: “Eternamente Pagu” (1988); “O Guarani” (1996); “Magda Tagliaferro – O Mundo dentro de um Piano” e “Infinitamente” (2005). Perseguida pela ditadura de 1964, em 1971 ficou exilada em Paris. 


passeata.leila.diniz (Eva Tudor, Tonia Carrero, Eva Wilma, Leila Diniz, Odete Lara e Norma Benguel abrem uma passeata contra a censura, no longínquo ano de 1968. A foto é da Agencia JB.)

 (1962 – O pagador de promessas de Anselmo Duarte – Palma de Ouro de melhor filme)
 (Norma Benguell e Leonardo Vilar, Cannes, 1962)



Untitled-3  Afirmou ter feito 16 abortos – jovem na era pré-pílula, optou não ser mãe. Viúva do ator italiano Gabrielle Tinti, viveu com ele por 30 anos. Indagada sobre como o conheceu, disse: “Dei uma festa que achei muito chata. Aí eu peguei um amigo e fomos dançar no Clube 84. Às seis da manhã, a casa estava toda aberta, não tinha mais ninguém, só um homem deitado no sofá. Eu falei: ‘Meu filho, a festa acabou’. Quando ele abriu os olhos azul-violeta, eu completei: ‘O quarto de hóspedes é ali’. E casamos”.


Aprendi com Gabriela
que prostituição não
é o mesmo que
exploração sexual e
que prostitutas não
vendem seus corpos,
vendem prazer.
 
  (Vila Mimosa Foto de Cláudia Rangel)

Gabriela Leite abandonou a faculdade de sociologia na USP, fim dos anos de 1970, para ser prostituta na Boca do Lixo, segundo ela, por “pura porra-louquice”. Começou a luta contra a repressão policial às prostitutas. De Sampa, foi para BH – “Toda prostituta um dia vai para BH ganhar dinheiro, lá tem muito cliente” –, onde ficou um ano. Seguiu para o Rio de Janeiro, em 1982, onde se encantou pela Vila Mimosa: “E esse foi um dia muito importante na minha vida, um dia  que nunca vou esquecer... Entrei na Vila Mimosa e amei. Parecia a zona de cidade do interior...
Aquelas máquinas de música tocando em todas as casas. O som daquelas músicas bregas, tudo colorido. A imagem que eu tive da Vila Mimosa era a de uma grande festa. E fui ficando lá”.
 
[gabriela+leite+2.jpg]740810Grife DaspuCapa do livro "As Meninas da Daspu" contou com a "ajuda" de uma das entrevistadas 
 (Gabriela Leite e seu livro: Filha, mãe, avó e puta)
 
De Vila Mimosa bateu asas na organização do Primeiro Encontro Nacional de Prostitutas, em 1987, na criação do jornal “Beijo da Rua”, em 1988, ONG DaVida, em 1990, e a grife Daspu, em 2005: “Serão roupas insinuantes, sensuais, mas   sem vulgaridade. Queremos resgatar a elegância das meninas do passado”; “a   linha de batalha vai ser ousada, provocante, sem ser ridícula ou vulgar”. Foi o que registrei em “A Daspu é um deslumbre” (O TEMPO, 7.12.2005). Escreveu o livro “Filha, Mãe, Avó e Puta”, que virou peça de teatro (2009). Indagada sobre em qual desses papéis ela mais se realiza, disse: “Eu gosto muito de ser avó. Mas também gosto muito de ser puta”.
 
 (Gabriela Leite, fundadora da Daspu, e o deputado federal Jean Wyllys)
Portal Photos | Fotografia e Arte (Fernando Gabeira Foto: Luiz Garrido)

Gabriela Leite - A ativista da Daspu tem saudade dos tempos de bailinho:  Guerreira dos direitos humanos das prostitutas, profissão reconhecida em 2002 pelo Ministério do Trabalho. Com Fernando Gabeira (PL 98/2003), lutou pela regulamentação da profissão, sem sucesso; ao morrer, apoiava o PL 4.211/2012, do deputado federal Jean Wyllys (PSOL), “Lei Gabriela Leite”, que garante direitos trabalhistas e legaliza prostíbulos.
 
  (Gabriela Leite e o marido, Flavio Lenz)

Deixou duas filhas, uma neta e o marido, o jornalista Flávio Lenz. Aprendi com Gabriela que prostituição não é o mesmo que exploração sexual e que prostitutas não vendem seus corpos, vendem prazer.

PUBLICADO EM 15.10.13
 FONTE:
OTEMPO
  (Dancing, Di Cavalcanti)
Gabriela Leite no Roda Viva (1.6.2009)