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terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O poder maligno da carolice da deputada Myrian Rios



DÁ DÓ A INCAPACIDADE DE DISTINGUIR MORAL DE ÉTICA
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_


7678435-9410_652x408 A deputada estadual Myrian Rios, atriz e missionária da Canção Nova, facção católica conservadora denominada renovação carismática, eleita em 2010 pelo PDT-RJ, hoje no PSD, exibe como foco do seu mandato transformar em lei questões de sua moralidade. Uma distorção maligna numa democracia.
Em "Myrian Rios e sua visão de dupla moral sobre a pedofilia", eu disse: "Ela tem todo o direito de professar a sua fé como desejar, desde que não cause danos a outrem". E finalizei: "Desconheço pronunciamento da deputada a respeito da pedofilia clerical. Está passando da hora de fazê-lo!" (O TEMPO, 28.6.2011).



 Não o fez até hoje. E legisla a partir de sua dupla moral. Hábil em se manter na raia da mídia, ela aprovou uma lei, sancionada pelo desavisado governador, que prima por pretender encabrestar o viver do povo do Rio de Janeiro numa moral única! Eis a Lei 6.394, de 16.1.2013 (D.O. de 17.1.2013):"O Governador do Estado do Rio de Janeiro
Faço saber que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta e eu sanciono a seguinte lei:
Art. 1º. Fica instituído o "Programa de Resgate de Valores Morais, Sociais, Éticos e Espirituais" no âmbito do Estado Rio de Janeiro.
Parágrafo único. O Programa deverá envolver diretamente a comunidade escolar, a família, lideranças comunitárias, empresas públicas e privadas, meios de comunicação, autoridades locais e estaduais e as organizações não governamentais e comunidades religiosas, por meio de atividades culturais, esportivas, literárias, mídia, entre outras, que visem à reflexão sobre a necessidade da revisão sobre os valores morais, sociais, éticos e espirituais
Art. 2º. O Poder Executivo deverá firmar convênios e parcerias articuladas e significativas, com prefeituras municipais e sociedade civil, no sentido de possibilitar a execução do cumprimento ao disposto nesta lei, com os seguintes objetivos:
I - promover o resgate da cidadania; II - fortalecer as relações humanas; III - valorizar a família, a escola e a comunidade como um todo.


Hábil em se manter
na raia da mídia,
aprovou uma lei que
prima por pretender
encabrestar o viver
do povo numa
moral única


Parágrafo único. Serão desenvolvidas ações essenciais que contribuam para uma convivência saudável entre pessoas, estabelecendo relações de confiança e respeito mútuo, alicerçada em valores éticos, morais, sociais, afetivos e espirituais, como instrumento capaz de prevenir e combater diversas formas de violência.
Art. 3º. O programa disposto no caput do Artigo 1º terá como órgão gestor a Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos.
Art. 4º. As despesas decorrentes da execução desta lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas, se necessário.

Art. 5º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação".


 (Foto: Homorrealidade)

É lamentável que uma Assembleia Legislativa e um governador não tenham percebido quão desrespeitosa é para uma democracia uma camisa de força de moralidade que se pretende única para todo o povo. Dá dó que tantas autoridades exibam analfabetismo filosófico: a incapacidade de distinguir moral de ética.
Ora, as moralidades são muitas, pois são os costumes, os valores relativos à pessoa ou a determinado agrupamento social, com unidade ideológica, étnica, racial ou sexual. Assim é que há até moral bandida. A ética nomeia os costumes ou os comportamentos relativos ao conjunto da sociedade, dos povos, que são mundos inerentemente pluralistas. Por espelhar a unidade a que chegaram as diferentes morais, a ética é em si uma codificação da unidade possível das diferentes forças políticas da sociedade.
 Publicado no Jornal OTEMPO em 29.01.2013

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Do perfume e de suas finalidades espirituais, religiosas e sociais



OS TEMPLOS DA ASSÍRIA POSSUÍAM UM MESTRE PERFUMISTA
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_

Sou de uma família que gosta de perfumes. Todos na casa de minha avó e de minha mãe possuíam um vidrinho de perfume todo seu. Em geral, uma água de colônia. Criei o hábito em minha casa, e minhas filhas, nas delas. Família perfumada é uma tradição muito nossa, já que não consideramos perfume algo supérfluo.
Minha avó Maria dizia que ao sair de casa temos de passar um "perfuminho" como proteção, para afastar mau olhado... Ela entendia que o perfume contém o sagrado. Não sem razão. Há relatos bíblicos sobre essências aromáticas. Todos os templos da Assíria, da Babilônia, do Egito, da Grécia e de Roma possuíam um mestre perfumista.


Parei de escrever para olhar o que tenho em uso: Alfazema Provençal, Thaty e Chanel nº 5, que meu mangalarga marchador, o Taj Mahal, reconhece de longe... Certa vez ele ficou arisco, e cheirou-me da cabeça aos pés, quando fui montá-lo usando outro perfume (há testemunhas, e muitas!). Cavalos reconhecem as pessoas pelo cheiro delas.

 Sabine Le Camus, professora do Instituto Superior Internacional do Perfume, da Cosmética e da Aromática Alimentar, diz que "o sistema olfativo está ligado ao sistema límbico, área do cérebro que controla as emoções e a memória", logo, "o cérebro consegue associar um cheiro a lembranças, mesmo as mais distantes". Ela utiliza aromas para auxiliar doentes na recuperação da memória.




Ao sair de casa,
 temos de passar um
"perfuminho" como proteção.
Ela entendia
que o perfume contém
o sagrado. Não sem razão.



 Em meu romance "Reencontros na Travessia: A tradição das Carpideiras", o capítulo 4, denominado "A penteadeira de perfumes da Tia Lali", diz que ela "era uma mulher de vida simples, fora os ‘perfumes do estrangeiro’ que ela sempre gostou muito... Ela adorava perfumes, que eram sua marca registrada. Só ela? Não, suas colegas de cantorias de incelências também" (Mazza Edições, 2008). Aliás, o romance citado tem muito a ver com odores, memória olfativa em geral; nele escrevi que "a história do perfume remonta a tempos imemoriais e se confunde com a do incenso... Os aromas induzem ao prazer olfativo, podendo fornecer bem-estar mental e espiritual".

  No capítulo 2, "Um aroma de Fleur de Rocaille", quando do reencontro de Cássia com Pablo, ela diz: "Fui transportada para um túnel do tempo. Estava diante de um jovem de 20 anos que gargalhava de uma forma que me enlouquecia, por quem fui apaixonada por um tempão. Jamais fui namorada dele. Mas vê-lo naquele momento de muita dor, enternecia-me, mesmo que ele só tivesse segurado a minha mão uma vez, e eu tenha ficado horas e horas sem lavá-las, pois queria ficar impregnada daquela colônia de que até hoje sinto a fragrância. Perguntei-lhe qual era o nome daquele cheiro, e ele respondeu: ‘Fleur de Rocaille. É uma colônia da mamãe, que gosto de usar de vez em quando’".


 Ainda na narrativa de Cássia: "Por que as carpideiras gostam de perfumes? Para mim, a explicação é elementar. O perfume possui várias finalidades, desde as espirituais e religiosas às sociais... O perfume tem que ver com o nome original, do latim per fumum, que significa ‘através da fumaça’, numa referência a invocar Deus através da fumaça. Valer-se da fumaça para invocar Deus faz parte de rituais religiosos, sobretudo pela queima de ervas que liberam cheiros e de incensos de diferentes aromas. É simples a razão, pois um cheiro ou uma mensagem aromática, ao chegar ao sistema límbico - o centro de memória, sentimentos e emoções -, induz sensações neuroquímicas, desencadeando euforia, relaxamento e sedação".
Diante do que compartilho da ideia de que o amor é também uma questão de odor.


 Publicado no Jornal OTEMPO em 22.01.2013

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A velhice maltratada, roubada, abandonada e vilipendiada

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ALGUÉM TEM DE DAR UM BASTA EM TAMANHA DESGRAÇA
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_

O "Fantástico" de domingo último, dia 13, exibiu diversas modalidades de violência contra pessoas idosas envolvendo cuidadores remunerados e familiares. A matéria afirmou que as "denúncias de crimes contra idosos crescem quase 200% em um ano"; que elas triplicaram entre 2011 e 2012; e que os "crimes mais denunciados são negligência e violência psicológica. Depois, vêm abuso financeiro e econômico, violência física e abandono".
Há anos tenho a percepção de que os pronto-socorros se esvaziam no Natal, período em que, desde a antevéspera, há uma pressão familiar exagerada para que idosos e acamados em geral recebam alta. Simples. Natal é festa em casa, e nenhum familiar quer ficar em hospital com doente. Daí a insistência pela alta. Algo bem diferente do restante do ano.
Via de regra, a tendência é se insurgir contra a alta hospitalar, exigindo que seu familiar idoso ou fisicamente dependente permaneça no hospital ad aeternum, sob diferentes argumentos, mas, na base, em geral, está o desejo de não levá-lo para casa.
No Ano Novo, uma festa de rua, dá-se o inverso. A partir do dia 30, começa a romaria do retorno de idosos e acamados para o pronto-socorro, exigindo que fiquem internados. Até uma troca de sonda nasoentérica é motivo para uma esculhambação para que aquele doente fique no hospital. Um disparate total. Dá náuseas.
Há famílias, e são várias, que dão até endereço errado! Pelo rodízio familiar, era a vez de uma fulana cuidar do pai por uma semana. Simples. Ela chamou o Samu, sob o argumento de crises convulsivas (descobrimos que era mentira!), e levou o velho, que não tinha nada, apenas era acamado há anos. Ao fazer a ficha de atendimento, ela deu endereço e telefone de outra irmã e sumiu! A cuidadora viajou para o réveillon na praia! Foi um bafafá, porque a filha cujo endereço estava na ficha de atendimento se recusava a buscar o pai no hospital e só compareceu sob ameaça de um BO por abandono de incapaz! Chegou, cinco horas depois, esbravejando e ameaçou todo mundo de negligência, omissão de socorro...


Violações que as famílias
perpetram contra seus
familiares demonstram
a banalização e a
naturalização da
violência a que eles
estão submetidos


Há casos em que a pessoa doente está de alta, sobretudo pós Acidente Vascular Cerebral (AVC), com sequelas incapacitantes para a vida autônoma, em que a família fica enrolando por semanas, alegando que precisa se preparar para recebê-la em casa... Se são muitos filhos, o hospital vira um ringue... Cada um tirando o corpo fora mais que o outro... Mas todos querem ser o "procurador" junto do INSS.
Houve um caso em que cada um dos quatro filhos solicitou declaração de que a mãe, com sequelas graves pós-AVC, estava impossibilitada de receber a pensão pessoalmente. Como a declaração havia sido dada à filha que a internou e que, perante o hospital, era a responsável por ela, inclusive em dois atendimentos anteriores, o mundo quase veio abaixo. Disse-lhes que fossem resolver o caso deles na polícia.





Todavia, o que mais dá a dimensão de completo abandono é de idosos, acamados e crianças com miíase (mye=moscas; ase=doença), o que se chama na roça de "bicheira", coisa não rara em Belo Horizonte. Fico possessa, pois acho que gente não é para ser comida viva por bichos! Puxando pela memória, expus, sucintamente, alguns casos, apenas para demonstrar diferentes graus de violação dos direitos humanos que as famílias perpetram contra seus familiares com dependência física de cuidados, com o intuito de demonstrar a banalização e a naturalização da violência a que estão submetidos no cotidiano. Alguém tem de dar um basta em tamanha desgraça.


 Jornal OTEMPO em 15.01.2013

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

2013 já deu as caras: há desejos e sonhos pessoais e políticos


Tropeiros atravessam rio
DE CERTEZA TEREI MAIS TEMPO PARA FICAR DE OLHO NOS PREFEITOS
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_

Muita gente abomina as listinhas de Ano Novo. Eu, médio. Nunca listei meus desejos nem os sonhos que acalento. Acredito em projetos de vida, que podem ser feitos a qualquer época do ano. No entanto, o começo de um novo ano é sempre momento de algum balanço de vida, pois os rituais de passagem de dia de ano são impulsionadores de sonhos. O ar de algo abominável sobre as listinhas de Ano Novo soam de algum modo falso, como uma recusa a se dobrar ao frenesi da chegada do ano novo.
Depois de quase 60 anos vividos, não abro mão de projetos de futuro. E por que não? Há um futuro para as pessoas sexagenárias de hoje, já que a expectativa de vida nos concede, via de regra, mais uns 15 anos de sobrevivência. Não sei viver ao léu. E sei que o futuro, está em grande medida em nossas mãos planejá-lo, inclusive o político.
A incapacidade de elaborar projetos de futuro é a senha da infelicidade. Não há dúvida de que alguns distúrbios mentais têm como sintoma exponencial a incapacidade de elaborar projetos de futuro. Aquilo de "deixar a vida me levar...". E daí pra bater com os burros n’'água é uma certeza... Digo sempre aos meus botões que não escapei do tétano neonatal para bater com os burros n’'água...




Desde criança queria ser médica e pautei a minha vida para concretizar tal sonho, coisa que parecia impossível, tendo nascido onde nasci, mesmo com algum aporte econômico suficiente para a dedicação aos estudos; mas era negra, oriunda de uma família negra remediada para os padrões econômicos do sertão, que hoje seria algo como a nova classe média, ou talvez bem menos. Ou seja, coisa pouca, quase nada.

 
(Colinas-MA)

Em minha cidade, o máximo de estudo era até a quarta série do primário, numa época em que, culturalmente, às mulheres bastava saber assinar o nome e esperar casar ou ficar no caritó. Tive a sorte de minha avó compreender que "a gente bota filha para estudar fora para não casar com esses caboclos daqui". Foi assim que, aos dez anos, fui mandada para estudar na escola do padre Macedo, em Colinas (MA). E virei médica.
Sonhei e planejei ser médica. E concretizei o meu sonho... Tudo sem listinha, mas com projetos de vida. E derramei lágrimas de sangue para torná-los reais. Depois, quase tudo partiu da profissão que escolhi: ela passou a ser o eixo. Não tenho dúvidas em dizer que a medicina legou-me asas e nelas voei... É nelas que planejo vivenciar a minha aposentadoria, em algum lugar de calmaria, aproveitando as delícias de ser avó, tendo mais tempo para escrever... E cutucando com vara curta quem merece, pois a opção de ser uma livre pensadora contém em seu bojo um compromisso vitalício para com as necessidades do ponto de vista dos oprimidos.

sus_jpgDe certeza terei mais tempo para ficar de olho na falta de compromissos de 99,9% dos prefeitos, alguns feitos a facão, de nosso Brasilzão em relação ao Sistema Único de Saúde (SUS), inclusive daqueles que não têm pudor de emitir normas regulamentadoras do caos, exigindo que hospitais contratados do SUS, mesmo não havendo mais leitos contratados ou em caso de extrapolação deles - digo: na superlotação criminosa -, não "recusem" nenhum doente - e desde quando não ter mais leitos é igual a recusar doentes? -, sob pena de diminuição da verba a que têm direito por serviços prestados!

 Se quem cala consente, eu pergunto: como pode o Ministério da Saúde concordar com tal descalabro? Com a palavra o ministro Padilha, a quem já concedi a palavra várias vezes e faz ouvidos de mercador.

Publicado no Jornal OTEMPO em 08.01.2013