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terça-feira, 26 de junho de 2012

A radicalidade do conceito de direitos reprodutivos

 DUKE

Na Rio + 20o conceito, caro à luta das mulheres, foi golpeado
Fátima Oliveira
Médica –
fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_

Escrevi, na semana passada, sobre a propriedade de a presidente Dilma Rousseff ter declarado que "meio ambiente não é adereço". Porém, na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, um conceito caro à luta internacional pelos direitos das mulheres à saúde foi golpeado, num consenso capitaneado pelo Brasil, atendendo a um anseio fundamentalista, desde a Conferência de População do Cairo (1994), daquele país não habitado por mulheres nem por crianças e que se comporta como religião ou como Estado, segundo as conveniências da hora: o Vaticano.





Falo dos direitos reprodutivos, que na plataforma do Cairo estão expressos como se segue: "Os direitos reprodutivos abrangem certos direitos humanos já reconhecidos em leis nacionais, em documentos internacionais sobre direitos humanos, em outros documentos consensuais. Esses direitos se ancoram no reconhecimento do direito básico de todo casal e de todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos e de ter a informação e os meios de assim o fazer, e o direito de gozar do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva. Inclui também seu direito de tomar decisões sobre a reprodução, livre de discriminação, coerção ou violência" (§ 7.3).
Para Sônia Corrêa, Paulo de Martino Jannuzzi e José Eustáquio Diniz Alves, em "Direitos e saúde sexual e reprodutiva: Marco Teórico-Conceitual e Sistema de Indicadores", "o conceito de direitos reprodutivos foi desenvolvido em resposta tanto às questões demográficas quanto às questões de saúde". Acrescento que o referido conceito encerra uma reivindicação de ordem política sobre o Estado por qualidade na atenção à saúde da mulher e referenda a consigna "Nossos corpos nos pertencem", razão da ira fundamentalista que o Vaticano expressa na ONU.





Tenho dito, por paradoxal que possa parecer, que "lutar pela saúde da mulher é a arte de fazer inimigos. Por que governantes e executores de políticas de saúde são intolerantes quando nos referimos à saúde da mulher? Ouvi de um secretário de saúde: ‘As feministas são muito abusadas, exigentes demais e nunca nada está bom para elas’. Enfim, somos umas chatas. Vai ver que somos! Afinal, o que é saúde da mulher em ‘feministês’, que soa como uma linguagem indecifrável para a maioria de governos e gestores de saúde, ou mesmo um palavrão, ou um xingamento à mãe deles?


A ONU concorda
com injustiças,
mandando
os direitos reprodutivos
para as profundas
do inferno, com o
aceite do Brasil



Saúde da mulher é um campo de assistência, estudos e pesquisas consolidado, cuja área de maior destaque é a dos direitos reprodutivos - que concentra mais conflitos referentes à opressão de gênero". Para Sônia Corrêa e Betânia Ávila (2003), a saúde da mulher surgiu "como uma estratégia semântica para traduzir, em termos de debate público e propostas políticas, o lema feminista da década de 70: ‘Nossos corpos nos pertencem’".
O controle social do processo de procriação é, por extensão, o controle da sexualidade e, embora não sendo a única causa, está também na base original da dominação de gênero; então, ao explicitar com fidelidade a situação de cidadania de segunda categoria na qual as mulheres vivem, saúde da mulher soa como uma subversão do status quo. Só pode ser. Não deixa de ser.


 



Reafirmo que nada demoverá o feminismo mundial de expressar desacordo quando o sistema Nações Unidas concorda com injustiças, mandando os direitos reprodutivos para as profundas do inferno, com o aceite do Brasil, que tratou os direitos reprodutivos como adereço inútil.


FONTE: Jornal OTEMPO em 26.06.2012

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Um recado firme e perfeito: "meio ambiente não é adereço"



É no "paralelo" que a presença feminista se faz notar
Fátima Oliveira

Médica – fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_

No último dia 13, nos preâmbulos da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, a presidenta Dilma Rousseff discorreu sobre "o desafio das nações de crescer sem agredir o planeta" na inauguração do Pavilhão Brasil, exposição com cinco eixos - inovação e produção agrícola sustentável; inclusão social e cidadania; energia e infraestrutura; turismo, grandes eventos e cultura; e meio ambiente - e quatro exposições de programas de inovação, tecnologia sustentável e inclusão social, como Minha Casa Minha Vida, Água Doce e Cultivando Água Boa.

(Presidenta Dilma Rousseff durante cerimônia de abertura do Pavilhão Brasil na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20). Foto: Roberto Stuckert Filho/PR)

 Acrescentou a presidenta: "Meio ambiente não é adereço. Queremos mostrar durante a Rio+20 que tornamos isso possível (...). Não consideramos que o respeito ao meio ambiente só se dá em fase de expansão do ciclo econômico. Pelo contrário, um posicionamento pró-crescimento, de preservar e conservar, é intrínseco à concepção de desenvolvimento, sobretudo diante das crises".


ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva  (Ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, fala no encerramento do evento The Rio Climate Challenge Rio Clima, no Forte de Copacabana, 17.06.2012)


Inegavelmente, um discurso de teor "verde", que Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente do governo Lula, que se acha detentora única do discurso verde, está empenhada em desacreditar, como era o esperado: diz que "o país tem vivido um acelerado retrocesso no setor e que abriu mão de liderar as discussões globais sobre o meio ambiente" e que "a base legal que fez com que, desde 2004, se conseguisse reduzir a pobreza e o desmatamento agora está sendo abolida"; e patati patatá...




Aron Belinky, coordenador de processos intenacionais do Instituto Vitae Civilis  (Aron Belinky, coordenador de processos intenacionais do Instituto Vitae Civilis)


Já ouviu falar em dinheiro verde? E em mangue verde, que é um pouco o cotidiano brasileiro quando o assunto é meio ambiente? E misture tudo ao desinteresse e ao descompromisso dos países ricos a respeito de desenvolvimento sustentável e embrulhe no papel celofane do discurso catastrofista de alguns verdes ranzinzas de escritório. Tá tudo lá na babel da Cúpula dos Povos que, como afirmou Aron Belinky, especialista em sustentabilidade, responsabilidade social e consumo sustentável, a "Rio+20 é uma peça em dois atos", o oficial e o paralelo (ou Cúpula dos Povos).



faixamulheresagua300_amb



marchamulheres260_albamendonca_g1É no "paralelo" que a presença feminista se faz notar como "crítica global às falsas soluções propostas para a crise atual, representada pela ‘economia verde’ - contra a mercantilização da natureza, em defesa dos bens comuns e, também, da liberdade, da autonomia e da soberania das mulheres sobre seus corpos e suas vidas e demandam voz ativa em todos os processos de decisão sobre as políticas em geral". No mesmo sentido, a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) organizou atuação focada na "Autonomia das Mulheres e Desenvolvimento Sustentável".


Programação Cúpula dos Povos
 Talvez caibam as perguntas: quem se lembra da Agenda 21 das Mulheres? E do vocábulo sociobiodiversidade?
Refrescando a memória. Paralelamente à ECO-92, estruturou-se o Fórum Global, onde havia a tenda do Planeta Fêmea, na qual cerca de 1.500 mulheres do mundo finalizaram, após mais de 200 horas de debate, a Agenda 21 das Mulheres; aprovaram dois tratados e uma declaração em que denunciam que o uso do corpo das mulheres como cobaias tem sido uma constante histórica universal: "O direito das mulheres de controlar suas escolhas de vida é a base e o fundamento de toda e qualquer ação referente à população, meio ambiente e desenvolvimento. Rejeitamos e denunciamos toda e qualquer forma de controle do corpo da mulher por governos e instituições internacionais".

(Vigília do Planeta Fêmea, evento feminista paralelo à Rio92, na Praia do Leme. Foto: Paulo Marcos)

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No centro, Bella Abzug (1920-1998), liderança feminista norte-americana, fundadora da Women's Environment and Development Organization - WEDO uma das principais entidades articuladoras do movimento internacional de mulheres pelo desenvolvimento sustentável.
Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento/ECO 92 - Fórum Global / Planeta Fêmea.  1992 - Rio de Janeiro/Brasil


 
Nada mais, nada menos do que a compreensão de que a Terra nos foi dada em usufruto e é nosso dever legá-la saudável para as futuras gerações.


 FOTO: DUKE
Publicado no Jornal OTEMPO em 19.06.2012

domingo, 17 de junho de 2012

Dona Lô: a encalhada típica, com teia de aranha petrificada...



Fátima Oliveira


Lô e Bernardo estavam numa chaise longue de onde se via o mar, o vai e vem das ondas espumantes e aquele barulho que dá sono... Ela deitada nas pernas dele, que acariciava seus cabelos, jogavam conversa fora e apreciavam o vôo das gaivotas na praia. Ela chegou à ilha um pouco antes do meio-dia e do aeroporto foram direto pra Base de Dona Diquinha, lá no Diamante,  onde comeram cuxá com peixe frito, iguarias que Lô aprecia, tanto quanto comer em “Bases”, segundo ela onde ainda se faz a comida do litoral maranhense de verdade!... 



 [(Vôo das gaivotas na  Praia do Olho d'Água, São Luís, MA (Fotos de Biné Morais)]
 (Praia do Olho d'Água, São Luís, MA)

– Bernardo, meu amor, espie só: a tal de "MP dos médicos" (Medida Provisória 568/2012) tem de estar errada, meu nego! Mas precisam lutar para que o governo reconheça o erro! Olhe o exemplo das feministas na MP 557. É ir pra cima! As feministas foram com gosto de gás. Não deixarm pedra sobre pedra. O Padilha parecia invencível e assim se comportava, mas deu com os burros na lama. Ficou atoladinho, atoladinho... Até hoje não disse como o nascituro foi parar na MP 557, mas isso é o de menos pra nós. Não deveria ser pra Dilma, mas deixe pra lá...
– Sei! Mas você pode dar uma cochichada no ouvido da mulher, hein? Certo que estou quase aposentando, originalmente sou médico concursado do antigo INAMPS, mas com o golpe dessa tal de MP a coisa ficou feia mesmo...
–...
– Entendeu o que falei, Lô? Todo mundo fala que você é unha e carne com a mulher...
– Vou fazer de conta que não ouvi... Entendeu o que quero dizer?
– ...






– Pois bem, não estou dando lugar pra esse tipo de conversa. Mas adianto-lhe que nunca vi um governo se enredar tanto em bobices como o de Dilma! Eita povo sem critério pra certas coisas. Não é maldade, que é o que lhes falta, mas falta de de... digamos, tirocínio mesmo. Ela precisa passar a régua mais amiúde nessa gente... Com amigos atabalhoados assim, quem precisa de inimigo? Me diga! Erro não é álibi; erro é erro, oxê!
– ...
–  Miriam Belchior, a ministra do Planejamento, que se explique direitim e bonitim... Ela é o Padilha da MP 568. Iscritim o Padilha na MP 557. Ela não sabe de nada, não viu nada e deixa a presidenta no fogaréu das fogueiras de São João e de São Pedro! Colocam a presidenta na fogueira como se fosse batata assando! É fazer barulho. Ir pra cima da ministra. Ela que dê seus pulos. Num assunto assim Jandira Feghali é o baluarte. Não duvide.
– Entendi Lô. Estamos lutando. Médicos do Brasil inteiro estão mobilizados. Estou muito atarefado. Tô na briga, com firmeza. Gostaria de ter ido passar o Dia dos Namorados na Matinha de Dona Lô, mas não deu! Tudo por causa da maldita MP!
–  Eu sei. Estou qui, não?


 
   – É, mas vai perder a sardinhada da Festa Portuguesa de Tonico, que tanto gosta. Sei que queria ficar lá, levar Estela para entregar-lhe pessoalmente a mesa de Donana...
Mesa de Donana na festa portuguesa de Tonico.





–  É verdade! Mas ela não é quadrada. Vai se virar lá com Cesinha, que sabe bem como é a festa, pois foi minha companhia nela por muitos anos... Deixe pra lá...
– Como está vendo o caso do casal Yoki?
– Assustada. E com pena. Era um casal jovem, com uma filha pra criar... Mas só Elize sabe os porquês do que fez e como fez. O que vai n’alma de uma mulher que se virou nos trinta para ter uma família diante da ameaça de perdê-la, só Freud explica porque uma pessoa assim arrisca o muito do que possuía pelo nada da prisão. Não arrisca, conscientemente, porque age de modo impetuoso e impensado, a tal da violenta emoção, sob frontais sem censura. Você é médico, sabe bem melhor do que eu o que são os frontais sem censura...
– ...
–  Um crime midático por excelência, pelos lances da vida privada do casal, sobretudo e pela posição social, a riqueza do falecido. Ainda vai correr muita água debaixo da ponte.  Ela vai ser condenada, tem de pagar pelo crime cometido, mas até lá muito podre vai deliciar a mídia. O advogado da família do morto quer condená-la antecipadamente. Busca a condenação pública sem dó. E o dela, corre atrás de atenuantes, coisa que há, aos montes, desde ter confessado voluntariamente o crime... Briga de cachorro grande... É isso!



No dia 19 de maio, Marcos Matsunaga foi ao aeroporto buscar a mulher, Elize, a fi lha do casal e a babá, que voltavam de uma visita à família dela, no Paraná. Os quatro chegaram ao apartamento do casal, na Vila Leopoldina, bairro nobre de São Paulo, às 18h40. Subiram juntos, pelo elevador social, para a cobertura, de mais de 500 metros quadrados. A babá foi embora pouco tempo depois e o bebê foi colocado para dormir no 2º andar do apartamento.  (19 de maio de 2012 - Família no elevador chegando em casa: Marcos, Elize, a filha do casal e a babá)


– Também penso mais ou menos assim... Tem razão, muita coisa ainda vai boiar... Faltam muitos elementos para compor o quadro do tiro e do esquartejamento. Só posso imaginar que a Elize era um poço transbordando de mágoas, no mínimo, pois agiu totalmente movida pela raiva, pelo ódio, perdeu o controle... E aí, está pensando em dar um pulinho na Rio+20? Estela disse-me que você esteve na ECO-92
– Sim, participei da ECO-92 (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento); fui à Rio +10, em 2002, em Joannesburgo, na África do Sul (Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento Sustentável). É um fuzuê inesquecível, mas cansei! Deixa essa gente nova queimar pestanas.
– ...



  – O que eu tinha de aprender para fazer a minha parte em defesa do Planeta, já aprendi e estou fazendo... A Matinha de Dona Lô hoje em dia é mais que um santuário ecológico... A minha criação de gado pé-duro, ou melhor, o meu zoológico de gado pé-duro, é uma demonstração de fé, não acha? Sem falar em meus jumentinhos abandonados, que vão para mais de cem...  Zé Vaqueiro reclama que nem um condenando e vive a perguntar o que vou fazer com aquela jumentaiada que só cresce... rsrsrsrs... e aumentando despesa. Digo-lhe sempre que capim é de graça, que deixe meus jeguinhos quietos...  Quase ninguém quer mais saber de jumentos, não é?  Pouca gente mesmo, como Gilles Lapouge, que escreveu recentemente "Ao jegue, com carinho", no Estadão. Se depender de mim, nem o pé-duro e nem os jegues serão extintos, nem que eu gaste “meus cofos e cofos de dinheiro” da família Tropeiro, que o povo não se cansa de dizer que eu tenho... rsrsrsrsr...






– E nós, vamos fazer o que hoje, hein? Disse-me que ficaríamos em casa à noite, mas já abri a geladeira e não vi nem sinal de nada para comermos...
Bernardo havia preparado uma surpresa para a namorada.  Mas antes que respondesse, a campainha tocou e ele foi correndo atender o interfone... “Podem subir...” E se dirigiu à porta para abri-la...
–  Aqui mora Lô  Tropeiro?
Ela, espantada, sem nada entender e olhando espantada para aquele carteiro de libré estilizada, com galões e botões dourados, em sua frente, observava o loft que era enorme, mas parecia pequeno para tanta gente que chegava...




  Suas observações foram interrompidas pela música suave de um violino tocando Capri C’est Fini!, de Hervé Vilard, que ela lembra de ter dito a Bernardo que adorava... Ainda cantaram, com vozes maviosas, A Majestade o Sabiá...
Finda a música, Bernardo aponta para o telão e diz: “Veja Hervé Vilard dans la tournée des idoles 2012”.

Ainda embasbacada, Lô balbucia, encostando a cabeça no ombro dele: realmente uma surpresa adorável! E o que teremos para o jantar?
– Caaaaaaaaalma, termina de ver o vídeo... Uma comidinha que é a sua cara, advinha?
– Aqui? Comer uma caldeirada é igual fazer uma oração...”

– Advinhona...


caldeirada de camarão1 – Humhumhum... cheirinho booooom... Caldeirada de camarão é uma iguaria  sublime! Comi muito na Base do Germano, quando era lá na Macaúba... Passei o exílio todo babando de vontade de comer caldeirada lá naquele pé sujo que tanto espantou Tancredo... A comida era limpa, de primeira, mas na rua havia esgoto a céu aberto... Quem fez a caldeirada?
– Dona Alice, é a especialidade dela. Mas que história é essa de Tancredo Neves ficar espantado na Base do Germano?
– Oxente e não sabia, não? Pois foi! Artes de Edson Vidigal, que até escreveu uma crônica a respeito. Gostei tanto que quase decorei. Escute o que ele escreveu:




“A melhor camaroada em São Luis do Maranhão era a do Germano. Quem fosse à Ilha do Amor e voltasse de lá sem poder dizer que não provou da sopa de camarão do Germano seria o equivalente a ir a Roma e não ver o Papa.
A última vez na vida que o doutor Tancredo foi ao Maranhão foi comigo, ele era ainda Senador, mas já sendo chamado de Presidente, e eu o levei à Base do Germano, no bairro da Macaúba.
O Germano era um policial – militar, de bons modos e ao mesmo tempo grosso em alguns repentes, cozinheiro do quartel, que detinha em segredo a fórmula da camaroada, que só ele sabia fazer.
Apresentei o Doutor Tancredo ao Germano como o futuro Presidente da República, ele o cumprimentou educadamente, mas sem botar alguma fé no que falei.
Quando nos sentamos a uma mesa, o restaurante ainda quase vazio, eis que uma sequência de avisos pelas paredes nos chamou a atenção, tipo assim – é proibido tamborilar nas mesas, é proibido cantar, é proibido chamar o garçom batendo com uma faca ou talher na garrafa ou no copo, é proibido gargalhar alto e outras proibições que nem deu para ler todas.
Doutor Tancredo perguntou se aquilo era de brincadeira ou para valer. Era para valer, eu disse. Então, vamos pedir uma mesa lá fora, na calçada e o Germano, gentilmente, nos atendeu. Lá fora corria um vento forte de maresia e porcos fuçavam num esgoto a céu aberto”
(Estatutos, Edson Vidigal, 12.03.2012).

– Muito interessante, Lô! Mas aquelas “bases” ali pras bandas da Macaúba, Lira, Belira, eram em ruas assim mesmo, de esgoto a céu aberto. Aquilo ali já mudou muito.
E, dirigindo-se ao mundaréu de gente que enchia o loft, tanto do Grupo Correio Teatralizado, quanto o entregador da Base de Dona Alice, que preparou o jantar, falou: “Bem gente, o meu muito obrigado por tudo! E vão desculpando qualquer coisa... E vamos saindo que  a dona da festa quer se lambuzar  de Caldeirada de Camarão... O meu muito obrigado a todos, mais uma vez.
– Feliz, meu amor? Fiquei apreensivo com medo de você achar a minha supresa babaca e provinciana demais... Mas foi de coração que preparei nosso primeiro Dia dos Namorados...
– Feliz? Muitão, muitão... Aliás, acho que vai pra mais de 20 anos que não sei o que é Dia dos Namorados... Sou a encalhada típica, com teia de aranha petrificada...



  São Luís, 12 de junho de 2012

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Casamentos, desde sempre, são negócios que não exigem amor

 DUKE 

Nenhum motivo é grande o bastante que justifique matar
Fátima Oliveira
Médica –
fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


Contradizendo o senso comum que mulheres são mais ciumentas do que os homens, os crimes passionais, ou "crimes de paixão", têm incidência mais expressiva em homens, inclusive em casos de ciúme patológico seguidos de suicídio.
Em geral, homicídios perpetrados por mulheres acontecem em legítima defesa de suas vidas e são em número tão ínfimo que causam enorme surpresa.


No dia 19 de maio, Marcos Matsunaga foi ao aeroporto buscar a mulher, Elize, a fi lha do casal e a babá, que voltavam de uma visita à família dela, no Paraná. Os quatro chegaram ao apartamento do casal, na Vila Leopoldina, bairro nobre de São Paulo, às 18h40. Subiram juntos, pelo elevador social, para a cobertura, de mais de 500 metros quadrados. A babá foi embora pouco tempo depois e o bebê foi colocado para dormir no 2º andar do apartamento. (19 de maio de 2012 - Família no elevador chegando em casa: Marcos, Elize, a filha do casal e a babá)

Exemplifico com o assassinato e esquartejamento, sem características aparentes de premeditação, do bilionário Marcos Kitano Matsunaga, diretor executivo da Yoki, pela sua esposa Elize Araújo Kitano Matsunaga, em 19 de maio de 2012, sob a alegação de que atirou após de ter sido agredida e ouvido que, em caso de separação, ele queria a guarda da filha: "Eu conheço teu passado; vou levar teu passado para a Vara da Família". Eis como uma criança perdeu o pai e a mãe.





Em análises de tragédias matrimoniais em que elementos de ódio estão presentes - assassinato seguido de esquartejamento -, cabe a desconfiança rosiana ("Há qualquer coisa no ar além dos aviões da Panair...") e os rigores da lei. Nem mais, nem menos.



  Tentando não cair numa disfunção dos lobos frontais, é preciso cautela para não fazer juízo de valor, supervalorizando os motivos pelos quais alguém pratica homicídio, pois nenhum motivo é grande o bastante que justifique matar. Todavia, no fundo, no fundo, a convivência cotidiana é a forma mais precisa de conhecimento do contexto de crimes catalogados como de defesa da própria vida, como disse Ana de Assis: "Eu é que posso escrever sobre Euclides... Vivemos juntos. Dormimos no mesmo quarto".

 

Minhas vidas alheias Minhas vidas alheias, Leila Jalul
[
Leia as primeiras páginas]


Como no conto da escritora acreana Leila Jalul "Rosa dos ventos": cansada das traições em série do marido, Maristela, com a ajuda dos irmãos, deu um basta: com uma peixeira amolada, e faiscando de ódio, rasgou "as calças do sestroso e, vapt! vapt! Não deu conta de decepar o rolete por inteiro, deixando para Mário o final da tarefa. Feito isso, suando e estuporada, pede que sejam feitos quatro filés e os acomoda num saco plástico": jogou um filé de pênis na soleira da casa da amante; o segundo, na casa da mãe dele; o terceiro, na porta da igreja onde casaram; e o quarto, lavou, salgou e colocou para secar no Sol! "Não sabia a razão do gesto, mesmo assim, não custava" (in "Minhas Vidas Alheias", Clube dos Autores, 2011).


 O advogado de defesa, Luciano de Freitas Santoro, afirmou que "Elize perdeu tudo. O crime não teve nenhuma motivação econômica... O mais vantajoso era ela se separar e pedir uma pensão, mas perdeu a cabeça". Em tese, pois os casamentos, desde sempre, são negócios que podem prescindir, inclusive, do amor.




 

Na Idade Média, a escolha do noivo era questão de família e/ou o noivo "comprava" a noiva: "o casamento como um ato de aquisição", exceto na Inglaterra, onde o padrão de nupcialidade era tardio, mas considerava as possibilidades financeiras: "Somente constituíam família quando dispunham de renda suficiente".


    O comum ainda é o casamento entre iguais, sendo os ditos "contos de fada", tipo Elize & Marcos, raríssimos até hoje, como corroboram dados demográficos que constatam que, majoritariamente, os casamentos se dão entre pessoas do mesmo meio social. Ou seja, no jogo de interesses do casamento contemporâneo, o caráter intraclasse é a regra, sendo as exceções inerentemente complicadas no cotidiano, pela supremacia de poder de quem detém o dinheiro, que se acha dono da vida e da alma da pessoa pobre e da pobre pessoa com quem convive.


Publicado no Jornal OTEMPO em 12.06.2012

Domingo Espetacular Veja vídeo AQUI