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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Duvanier Paiva Ferreira morreu à míngua; terá sido em vão?

Quando a doença e a morte são grandes negócios
Fátima Oliveira
Médica -  fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_

Na madrugada de 19 de janeiro, um casal negro, Cássia Gomes e Duvanier Paiva Ferreira, secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, bateu, em vão, às portas dos hospitais Santa Lúcia e Santa Luzia, em Brasília, buscando socorro para ele. Alegaram que não atendiam ao plano de saúde dele, o Geap, do qual são contribuintes compulsórios servidores públicos e aposentados dos ministérios e autarquias federais.
A terceira estação da via-sacra foi o hospital Planalto, a quem restou tentar reanimar Duvanier, que, fulminado por um infarto, estava morto! O contexto de sua morte é o de omissão de socorro com recortes racial e de classe - o desdém por um casal negro, sem talão de cheques no bolso, peregrinando na madrugada brasiliense.
Cássia Gomes declarou que os dois hospitais exigiram um cheque caução para atendê-lo, mas eles não portavam cheques. Hospital privado é uma empresa segundo a lógica mercantilista de garantir lucros e gerar riquezas. A doença e a morte são grandes negócios na ótica capitalista - hospitais privados são negócios. Nem mais, nem menos.


Amigos realizam protesto silencioso em homenagem a Duvanier Paiva após missa na Catedral de Brasília (Foto: Maiara Dornelles/G1) 
Amigos realizam protesto silencioso em homenagem
a Duvanier Paiva após missa na Catedral de Brasília  (Foto: Maiara Dornelles/G1)



NotaFalecimentoDuvanierPaiva1-1
Nem os antigos filantrópicos são mais instituições de caridade. São pagos pelo que fazem, pois o SUS extinguiu a figura do indigente na saúde. O Estado brasileiro paga da extração de bicho-de-pé ao transplante mais sofisticado. De quem tem convênio inclusive, pois tais investimentos são descontados no Imposto de Renda! Isto é, ninguém paga convênio de saúde no Brasil, quem banca a conta é o Tesouro nacional!

 (Veículo: Correio do Povo)       

A morte à míngua de
um alto funcionário do
governo demonstra que
um hospital particular
tem de aprender a
respeitar a missão
de pronto-socorro

A morte à míngua de um alto funcionário do governo federal, na capital da República, que não teve o direito de não morrer antes do tempo nem de morrer com dignidade, demonstra que um hospital particular que possui pronto-socorro tem de aprender a respeitar a missão de tal serviço. "Não pagantes" diretos, em casos de risco de morte, ou seja, os ditos "pacientes críticos", independentemente de sua condição financeira, devem ser socorridos, pois, além das razões de ordem humanitária, a empresa hospitalar não terá prejuízos porque pode pedir ressarcimento ao SUS.
Morrer é parte natural da vida, que é finita. Somos programados para morrer, mas temos o direito de não morrer antes do tempo e a morrer com dignidade, fatos que comportam questões bioéticas, a exemplo da negligência e da omissão de socorro. É consensual que todas as pessoas têm direito a socorro médico. Na real, nem sempre são atendidas e, quando o são, nem sempre recebem os cuidados de que precisam - tratamentos que a medicina já dispõe para salvar ou prolongar vidas.
O "Estudo de Canto" (EUA, 2000) é paradigmático: "Negros, independentemente de seu sexo, têm probabilidades significativamente menores que brancos de receber esse tratamento de grande eficácia no combate a ataques cardíacos" (medicamento ou cirurgia para desbloqueio de veias), constatação que referenda o ditado: "Branco com dor no peito é infarto. Negro com dor no peito é arrotar que passa".



Saúde da População Negra -  Brasil, Ano 2001, Fátima Oliveira Download



Por ser negro, Duvanier Paiva Ferreira era um homem marcado para morrer antes do tempo. No Brasil, negros morrem antes do tempo em todas as faixas etárias. A mortalidade precoce dos negros, que arromba fronteiras de classe e do poder, desnuda o racismo na (des)atenção à saúde. Ele deve ter sido o primeiro funcionário do alto escalão da República que morreu à míngua na capital federal, e sua morte precoce, aos 56 anos, não pode ser em vão - servirá à reflexão de por que o racismo mata, às escâncaras e impunemente, todo dia e a gente nem percebe.
 

Missa é celebrada em homenagem a Duvanier Paiva na Catedral de Brasília (Foto: Maiara Dornelles/G1) Missa em homenagem a Duvanier Paiva é celebrada na Catedral de Brasília (Foto: Maiara Dornelles/G1)

FONTE: Publicado no Jornal OTEMPO em 31.01.2012

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Urge resistir ao desvio de missão dos serviços de saúde

 Foto: DUKE

Como deixar um doente num lugar onde ele pode morrer?
Fátima Oliveira
Médica -  fatimaoliveira@ig.com      @oliveirafatima_

A falta de retaguarda de leitos hospitalares para quem não precisa permanecer em pronto-socorros e necessita de internação é o gargalo que explica em parte a superlotação de UPAs e pronto-socorros de Belo Horizonte.
Outros motivos são a insuficiência e a baixa resolutividade da rede básica, além do acesso dificultado a ambulatórios de especialidades. Nenhuma novidade. As autoridades sanitárias responsáveis sabem disso há muito tempo. Todavia, as medidas que deveriam ter sido tomadas não foram levadas a cabo à altura do problema.
A rotina em Belo Horizonte é a superlotação de urgências e emergências, que viram "casa de passagem" - local de "espera de vaga hospitalar", que demora e muitas vezes não sai, o que transforma as chamadas observações em enfermarias!
Não é surpresa o fenômeno da superlotação resultar em impossibilidade de um pronto-socorro cumprir a sua missão 24 horas: atender urgências e emergências, até por uma questão de lei da física: dois corpos não podem ocupar ao mesmo tempo o mesmo lugar no espaço.
As UPAs viraram "postões", desviadas da missão para a qual foram "inventadas", - equipamento intermediário de atenção capaz de resolver pequenas e médias urgências. As UPAs atendem um número enorme de consultas, obrigação de postos e/ou ambulatórios. Não é só que as pessoas vão às UPAs porque não sabem a finalidade delas, mas é, sobretudo, porque a rede básica não dá conta da demanda.
É o olhar sobre o desvio de função e suas causas que permite entender a superlotação de urgências e emergências, situações que possuem responsável: o gestor municipal. Não há dúvida! Tanto faz ser em Belo Horizonte como em qualquer município que enfrente situação similar, embora nas capitais, incluindo a região metropolitana, tal "inferno de Dante" é em muito piorado.
Muitos municípios das regiões metropolitanas fazem de conta que não têm nenhuma obrigação sanitária para com seus cidadãos, apenas compram ambulâncias para desovar doentes na capital 24 horas, ininterruptamente. As exceções são raras.


Negar vaga ao Samu,
não é só imoral,
é criminoso, assim
como "desovar"
doentes não é missão
do Samu nem pode
passar a ser rotina


A garantia do exercício do direito constitucional à saúde é dever, primeiramente, do governo do local onde o doente se encontra. Ou seja, do gestor municipal. É inaceitável que tal responsabilidade seja jogada nos ombros das instituições de saúde e dos profissionais que lá trabalham, atendendo doentes ou coordenando plantão.


 A regra tem sido a inversão do óbvio, configurando que as prefeituras querem fazer cortesia às custas do chapéu alheio (médicos e serviços de saúde, que não os próprios), sem a contrapartida de condições de trabalho. Em ano eleitoral, a tendência é piorar, em todos os sentidos, inclusive com a adoção do abuso de poder como regra geral, a exemplo de um serviço que deve primar pela excelência em salvar vidas, como o Samu, sendo obrigado a adotar a prática de desova - deixar o doente em local sem vaga, isto é, leito mais suporte de recursos humanos e equipamentos necessários ao doente grave.

 Como cidadã, exijo um Samu cada vez mais de excelência. Como médica, sei e cumpro o meu dever moral, ético e político de "me virar" para dar retaguarda real ao Samu; mas quedo-me ao concreto: as vidas não são virtuais. Compartilho da opinião de que negar vaga ao Samu (ter a vaga e mentir que não tem) não é só imoral, é criminoso, assim como "desovar" doentes não é missão do Samu nem pode passar a ser rotina, pois também não é apenas imoral, mas criminoso. Como deixar um doente que pode sobreviver num lugar onde ele pode morrer?

Publicado no Jornal OTEMPO em 24.01.2012




 Logo SAMU Vertical Coloridas O SAMU 192 (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) faz parte da Política Nacional de Urgências e Emergências desde 2003, e ajuda a organizar o atendimento na rede pública prestando socorro à população.
Com o SAMU 192, o governo federal está reduzindo o número de óbitos, o tempo de internação em hospitais e as sequelas decorrentes da falta de socorro precoce.
O serviço funciona 24 horas por dia através de chamada gratuita para o telefone 192 e conta com equipes de profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e socorristas que atendem às urgências de natureza traumática, clínica, pediátrica, cirúrgica, gineco-obstétrica e de saúde mental da população.
FONTE: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/FOLDER_SAMU.pdf

 Servidores querem reajuste e melhores condições (Fotos: Portal Infonet), 20.092010, Sergipe)

  Salários atrasados provacam paralisação do Samu, em Guanambi, Bahia (19.11.2011). [(Foto: Farol da Cidade)]
 SAMU não é “Médico Delivery” e muito menos “Táxi”!

Você poderá gostar de ler também:
Por que amontoar pessoas como animais não é crime?  (29.12.2009), Fátima Oliveira
Memória, compromisso e via-crúcis: do "Resgate" ao Samu (02.03.2010), Fátima Oliveira
A política e a rede nacional de atenção às urgências do SUS (26.07.2011), Fátima Oliveira

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Pontuando alguns mistérios da vida privada de Lewis Carroll


"Há algo misterioso e perverso na história do escritor"
Fátima Oliveira
fatimaoliveira@ig.com.br @olveirafatima_


Um choque saber indícios de pedofilia de Lewis Carroll (1832-1898), autor de "Alice no País das Maravilhas", conto infantil de beleza singular que em 2012 completa 150 anos e cujo encanto permanece. As pistas da alegada pedofilia de Carroll têm por substrato uma declaração dele: "Gosto de crianças (exceto meninos)". 

Evelyn Hatche, 8 anos
(Alice Liddell, mendiga)



Celibatário, fotografou meninas em poses sensuais, todas com o consentimento das mães, inclusive Alice Pleasance Liddell (1852-1934), a inspiradora de "Alice no País das Maravilhas". Tratava suas modelos por "amiguinhas", às quais escrevia cartas, publicadas sob o nome "Cartas às Suas Amiguinhas" (Companhia dos Livros, 1997). 


 (Foto: Duke)

Lewis Carroll era 20 anos mais velho do que Alice. Excelente artigo sobre a especulada pedofilia dele é o da psiquiatra Vanessa Marsden, "Uma Patografia de Lewis Carroll, autor de ‘Alice no País das Maravilhas’". Em tempo: "Patografia é um estudo retrospectivo de ‘casos clínicos focados na biografia de determinada personalidade famosa portadora de transtorno mental com o objetivo de apresentar elementos psicopatológicos interessantes e o significado desses para sua obra’

Carroll e Alice

Os pesquisadores Hughes Lebailly e Karoline Leach aventam que, na época de Carroll, o modismo de fotos de crianças nuas expressava deferência à inocência, um registro do "culto da criança vitoriana" presente na literatura e nas artes, sobretudo a "pureza virginal das meninas". Para uns, o apreço de Carroll pelas meninas que fotografava era num plano artístico e espiritual. Hipótese não descartável. 

No Brasil profundo,
até a década de 1970,
eram costume retratos,
pintados à mão, de
meninos, ainda bebês,
nus: o orgulho de
um filho macho!

  Retrato colorido , foto antiguíssima e arranhada, foi recostituída.

No Brasil profundo, até a década de 1970, eram costume retratos, pintados à mão, de meninos, ainda bebês, nus, exibindo os órgãos genitais: o orgulho de um filho macho! Até hoje há quem goste de ter uma foto do "machinho" de sua prole nu. 
Em "A Eterna Dúvida sobre o Autor de ‘Alice no País das Maravilhas’", Ana Sousa diz: "Há algo de muito misterioso e talvez perverso na história real do escritor inglês... São dúvidas que permanecem no ar... Carroll era um solteirão que despendia a maior parte de seu tempo livre com meninas e levava sempre na bagagem um saco preto com objetos e brinquedos para estimular o interesse delas". Estranho, não é?
Alice estava com 11 anos quando houve uma ruptura definitiva entre Carroll e a família Liddell. Alguns alegam que por conta do desejo de Carroll em se casar com Alice. Foram arrancadas do diário de Carroll as páginas referentes ao período. As cartas dele para Alice foram incineradas. Outros dizem que os diários foram mutilados porque revelavam um caso de Carroll com a mãe de Alice. 



Melanie Benjamin escreveu "Eu Sou Alice" (Editora Planeta), ficção sobre a vida de Alice, de criança a idosa, relatando que ela carregou o peso do rótulo de eterna criança. Katie Roiphe, autora de "Ela Ainda me Assombra", romance sobre Carroll e Alice, em artigo para o "The Guardian", escreveu: "Ele tinha pensamentos impuros, sim. O que importa, no fim, é o que ele fez deles". Ana Sousa conclui: "O veredicto final do que Carroll teria feito de seu desejo ainda é um mistério

 (Alice Liddell, 18 anos)
 (Alice Liddell, 38 anos)

  (Alice Liddell, 80 anos)

 Alice jamais acusou Carroll de abuso sexual. Era linda e sedutora. Namorou o príncipe Leopoldo, caçula da rainha Vitória, que proibiu o romance por ser Alice "malfalada" e musa literária plebeia. Casou-se com Reginald Hargreaves. Teve três filhos; o primeiro chama-se Leopoldo e a primeira filha do príncipe chama-se Alice. Em 1928, aos 76 anos, leiloou o manuscrito de "Alice no País das Maravilhas", que a salvou da miséria. Eis o que sabemos.

Publicado no Jornal OTEMPO em 17.01.2012
[alice_liddell_82.jpg]
Leia também: Lições do sesquicentenário de "Alice no País das Maravilhas" - Fátima Oliveira

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Lições do sesquicentenário de "Alice no País das Maravilhas"

 Foto: Duke

"A forma de chegar ao impossível é acreditar que é possível"
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_


Tenho na leitura uma companhia prazerosa. Os livros não são apenas fontes de diversão. Neles encontro pistas para solucionar problemas e vislumbrar novos horizontes. Como, não sei.
Acontece. Falo de leitura de entretenimento, como crônicas, contos de fadas e infantis de modo geral, romances, narrativas de viagens, biografias e poesias. Por aí.
Nada a ver com literatura de autoajuda, da qual não consigo gostar, pois, via de regra, mais se parece com receita de bolo. Os que já li são similares à camisa de força e, sobretudo, tolhem a minha liberdade de escolher caminhos.
Diante de problemas, recorro aos livros. Nos primeiros dias de janeiro, chocada com a MP do Nascituro (disfarçada de "cadastro de grávidas"), fucei minha biblioteca atrás de um livro que falasse algo reconfortante sobre o inesperado e o impossível. Eu havia lido em algum lugar.
Foi então que senti falta das antigas fichas de leitura. Durante anos eu, paciente e disciplinadamente, fichei todos os livros que li - nome, autoria, editora, breves linhas sobre o conteúdo e as melhores e/ou mais bonitas frases. Meu fichário se perdeu em uma de minhas mudanças de vida cigana, quando abandonei o hábito de fichar livros.
A memória tem das suas. Dei na batida que o que eu procurava estava num livro para crianças. Rememorei, como num filme, e estava certa de que era um livro de que eu gostava e que havia lido várias vezes. Dei uma olhada no que me resta de contos infantis e nada! Sem mais perder tempo, fui ao "são Google". Bah! Em segundos estava lá: "A única forma de chegar ao impossível é acreditar que é possível".

Autorretrato de Lewis Carroll

Ficheiro:AlicesAdventuresInWonderlandTitlePage.jpg Foi emocionante! A frase é de "Alice no País das Maravilhas", de Lewis Carroll, pseudônimo do poeta, romancista, matemático e pastor inglês Charles Lutwidge Dodgson (1832-1898). Trata-se de uma história inventada durante um passeio de barco pelo rio Tâmisa, em 4 de julho de 1862, para entreter três crianças - Lorina Charlotte, Edith Mary e Alice Pleasance Liddell -, filhas de Henry George Liddell, vice-chanceler da Universidade de Oxford, decano da Igreja de Cristo, reitor da Christ Church, onde Lewis Carroll ensinava matemática.

Ficheiro:Alice Liddell.jpg Alice Liddell (foto) foi a inspiração de Carroll para criar Alice no País das Maravilhas.

 A história da menina Alice, que caiu numa toca de coelho e viveu aventuras fantásticas num mundo maravilhoso de bichos e coisas sábias e falantes, foi passada para o papel em 1864 e publicada em 1865. Dizem ser o livro mais citado depois da Bíblia e é a obra mais famosa do mundo do gênero literário nonsense.

É um conto infantil
de zooliteratura,
com seus fascinantes bichos
falantes, mas
é também é um livro
sobre costumes
da era vitoriana.

Na coletânea de frases do referido livro, havia outra que, de algum modo, respondia à minha busca de entender o momento em que vivia: "Podes dizer-me, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui?".
"Isso depende muito de para onde queres ir", respondeu o gato.
"Preocupa-me pouco aonde ir" - disse Alice.
"Nesse caso, pouco importa o caminho que sigas" - replicou o gato.



"Alice no País das Maravilhas" é um conto infantil de zooliteratura, com seus fascinantes bichos falantes, mas também um livro sobre costumes da era vitoriana. Contém muito da cultura inglesa da época, incluindo gastronomia, e críticas ao modo vitoriano de ser, e entremeia sonho e vida real do tempo em que foi escrito e que nos seduz pelo que encerra de nonsense.




Eu adoro "Alice no País das Maravilhas", mas impliquei com seu autor ao descobrir que foi acusado de pedofilia, o que abordarei em outro dia. Por fim, a história de Alice ainda diverte crianças do mundo inteiro, inspira as artes e nos ensina que "tudo tem uma moral se você conseguir simplesmente notar".


 Alice no país das maravilhas, Salvador Dali

Publicado no Jornal OTEMPO em 10/01/2012

Veja no Mol-TaGGE: Maravilhosas imagens de Alice no país das maravilhas:
Em 2012, a história de Alice no País das Maravilhas completa 150 anos. Desde então a novela de Lewis Carroll conquista artistas de todas as épocas. Nomes como os de Salvador Dalí, René Magritte, Yayoi Kusama, entre outros não escaparam ao seu fascínio. Imagens de grandes artistas revivem o conto de Carroll.
Aqui você pode aprender e ver muito sobre Alice no país das maravilhas

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O dom ou o carma de assuntar peripécias na encruzilhada

 FOTO: DUKE

Aborto inseguro é causa de óbitos maternos no Brasil
Fátima Oliveira
Médica – fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_



No atual governo, o Brasil patina quando instado a referendar sua laicidade e a agenda republicana; e o faz às custas dos corpos das brasileiras, não fugindo à regra fundamentalista de santificar a maternidade e de satanizar as mulheres. Ai, meus sais!
Estamos numa encruzilhada. Há satanização maior do que, sem revogar a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento (2004), ao emitir uma Medida Provisória (MP) que diz ser linha auxiliar do combate à morte materna, omitir a atenção ao aborto inseguro, não mencionar a palavra aborto nem usar a terminologia direitos reprodutivos?



Desconfio de quem desconhece o aborto inseguro como causa importante de óbitos maternos no Brasil. A MP 557 viola o direito à privacidade (cadastro nacional de grávidas); e sua exposição de motivos desconhece o inteiro teor e a extensão dos compromissos do Brasil no âmbito da ONU, não restritos às Metas do Milênio (Cúpula do Milênio, Nova York, 6 a 8.9.2000) nem por elas anulados.





Haverá uma MP para cada Meta do Milênio: 1. Erradicar a pobreza e a fome; 2. Atingir o ensino básico universal; 3. Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; 4. Reduzir a mortalidade infantil; 5. Melhorar a saúde materna; 6. Combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças; 7. Garantir a sustentabilidade ambiental; e 8. Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento?
Fora o auxílio-transporte para o pré-natal e a reafirmação do direito a acompanhante no trabalho de parto, no parto e no pós-parto imediato, o restante da MP 557 é dispensável e o Ministério da Saúde sabe bem que sim. No essencial, registra o "lá vem o Brasil descendo a ladeira do conservadorismo" ao conferir personalidade civil ao nascituro, desrespeitando a Constituição Federal de 1988. Ou a MP foi para isso?

"O Brasil patina
quando instado a
referendar sua
laicidade e a agenda
republicana; e o
faz às custas
dos corpos das brasileiras"




Sou testemunha ocular, e tenho cópia, da fala do embaixador do Brasil no Chile, Gelson Fonseca Júnior, chefe da delegação brasileira na Reunião da Mesa Diretora Ampliada do Comitê Especial de População e Desenvolvimento (10 e 11.3.2004, Santiago do Chile), que afirmou que, sem cuidar do aborto inseguro, combater a morte materna seria uma miragem. O Brasil ali entendia que as Metas do Milênio eram uma pauta minimalista e a confissão de um fracasso: os governos não deram conta de cumprir o disposto nas Plataformas de Ação das Conferências da ONU da década de 1990 e "jogaram a toalha", elegendo oito prioridades.



Disse o embaixador Gelson Fonseca Júnior: "O meu país reafirma a Plataforma de Ação do Cairo (1994) e as definições do Cairo +5 (1999); referenda os direitos e os serviços de saúde reprodutiva, e o direito de adolescentes a informações e acesso, com privacidade e confidencialidade, a serviços de saúde reprodutiva; reafirma o acesso à prevenção do HIV e ao tratamento da Aids como direitos humanos; enfatiza o combate à morte materna e a atenção aos múltiplos fatores que a causam, destacando o parágrafo 63 do Cairo +5 (atenção ao aborto inseguro); e explicita que, se não se respeitar e implantar o definido em Cairo, as Metas do Milênio serão inalcançáveis!".
E finalizou seu discurso ovacionado ao dizer: "Problemas comuns exigem estratégias concertadas. Minha delegação reitera total apoio ao Consenso do Cairo e se soma à maioria dos países que endossa a declaração que deverá resultar da presente reunião. Esta é uma reunião de alta significação política e esperamos que tenha a sua expressão na dita declaração". É pra jogar no lixo? Arrogância tem limites.

Publicado no Jornal OTEMPO em 03.01.2012