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terça-feira, 25 de outubro de 2011

O belo da riqueza dos dialetos do português brasileiro

  [DUKE]
O modo de falar é diverso e deve ser respeitado!
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br  @oliveirafatima_

Não faz muito tempo, em São Luís, capital do Maranhão, telefonei para uma amiga. O filho dela atendeu. "Diga à sua mãe que foi Fátima Oliveira, colega dela, quem telefonou. Desejo falar com ela antes de voltar para Belo Horizonte". Conforme o prometido, telefonei no mesmo dia e ela atendeu. Repetiu as palavras do filho: "Mãe, ligou uma amiga sua. Esqueci o nome, mas ela não é daqui, pois, tem uma fala estranha".

Belo Horizonte-MG


[Rua Conde de Linhares (A minha rua em Beagá!) Maria Teresa]

Aquilo martela, até hoje, em meu juízo. Após um quarto de século em Beagá, com uma passagem de quatro anos por Sampa, acostumei-me à pergunta "Você é de onde?", mal abro a boca; logo, fiquei assustada de ser ouvida como uma "fala estranha" no meu Estado, o Maranhão! O ocorrido levou-me a estudar os dialetos do português falado no Brasil - variantes da língua, o tal sotaque, e não um modo de falar errado e execrável, pois se a grafia culta da língua é una, o modo de falar é diverso e deve ser respeitado!
O "pt-BR" - código de língua para o português brasileiro -, embora de grafia culta una, é um conjunto de variantes de modos de falar no Brasil desde 17 de agosto de 1758, quando o marquês de Pombal decretou o português como a língua oficial do Brasil e proibiu a utilização da língua geral, grosso modo, a "língua de contato" entre diferentes tribos indígenas e delas com os portugueses. Isto é, "uma língua franca entre contatos indígenas" que exerceu influências marcantes sobre a língua portuguesa europeia.
"A língua geral possuía duas variantes: a língua geral paulista: originária da língua dos ameríndios Tupi de São Vicente e do alto rio Tietê, que passou a ser falada pelos bandeirantes no século XVII. Dessa forma, ouve-se tal idioma em locais em que esses ameríndios jamais estiveram, influenciando o modo de falar dos brasileiros. O Nheengatu (ie’engatú = língua boa): uma língua tupi-guarani falada no Brasil e em países limítrofes - é uma língua de comércio, desenvolvida ou compilada pelos jesuítas portugueses nos séculos XVII e XVIII, fundamentada no vocabulário e na pronúncia tupinambá e que tem como referência a gramática da língua portuguesa, com vocabulário enriquecido com palavras do português e do castelhano".

O português brasileiro,
embora de grafia culta e una,
é um conjunto de modos de falar
desde quando Pombal decretou o português
como língua oficial


 (Igreja Católica, povoado Serra do Arapari-Senador La Rocque-MA)

Imperatriz-MA
Imperatriz (Igreja Santa Tereza D'Ávila - Imperatriz-MA)
(Imperatriz-MA, anos 1960)
 Imperatriz

A minha "fala estranha" faz com que eu seja estrangeira em todos os lugares, pois falo alguma coisa em que ninguém se reconhece - um problema de identidade linguística monumental do ponto de vista pessoal! Na Serra do Arapari, lá pras bandas do Barro Azul, atual Fazenda Santa Rita de Cássia - que já foi Imperatriz, depois João Lisboa e agora é Senador La Rocque -, que o povo chama de a Fazenda do Padre, sempre que chego lá o problema se avoluma de tal modo que nos primeiros dias preciso andar com o Tio Luís, o vaqueiro, tendo-o a tiracolo como tradutor, caso contrário, é arriscado fazer negócios errados, simplesmente por questões linguísticas!

João Lisboa-MA
ENTRADA DA CIDADE DE JOÃO LISBÔA-MA (Entrada de João Lisboa-MA, vindo de Imperatriz-MA, Foto de Nando Cunha)
  (Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, João Lisboa, MA)
IGREJA NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO SOCORRO  -  JOÃO LISBÔA-MA (Interior da Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Foto de Nando Cunha)
Igreja Assembleia de Deus em João Lisboa Maranhão. Abril/2011. (Igreja Assembleia de Deus, João Lisboa-MA. Foto de Nando Cunha)

Senador La Rocque-MA



Após uma semana, nada mais soa estranho e passamos a entender, e até a incorporar, os "hem-hem", "pucardiquê", "prumodiquê" etc. e tal, que compõem o linguajar sertanejo maranhense... Não é raro ter vontade de cavar um buraco no chão e nele entrar quando alguém indaga: "Ô Luís, o que mesmo a doutora quis dizer?".
O Biel tão logo se mudou pra lá, certo dia, irritadíssimo por não entender o que falara o frentista de onde paramos para abastecer o carro, disse-me: "Eu não entendo o que esse povo fala, mãe! Como morar aqui?". Usei toda a minha autoridade de mãe sertaneja: "‘Prestenção’, porque esse povo é o seu! E também não terá outro povo para trabalhar pra você, não!".
 [Graça Aranha-MA (ver: A dona Lô que aparece em meus escritos da Chapada do Arapari)]

Publicado no Jornal OTEMPO em 25.10.2011

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GELEDÉS LIMA COELHO
VIOMUNDO: Fátima Oliveira: A riqueza do “pt-BR” deve ser respeitada

terça-feira, 18 de outubro de 2011

O conferencismo sequestra a democracia e insulta a inteligência

Duke

Dá comichão ler um relatório final, é um jogo de faz de conta... 
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com  @oliveirafatima_

Vendo a ocupação dos "Indignados" - protesto difuso, de início contra o sistema financeiro mundial - reli "O Medo: O Maior Gigante da Alma", de Fernando Teixeira de Andrade (1946-2008): "É o tempo da travessia, e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos".
E matutei: são contra o capitalismo?


Os indignados na Espanha
Milhares voltam a manifestar-se na Puerta del Sol Milhares voltam a manifestar-se na Puerta del Sol (15.10.2011)

A data, 15 de outubro, foi escolhida para coincidir com um encontro do G-20, na França, para "encontrar meios de enfrentar a crise da dívida que se espalha na zona do euro". O protesto é imputado ao não monolítico movimento "Indignados", surgido há cinco meses, quando a praça Puerta do Sol, em Madri, foi ocupada por pessoas indignadas com o desemprego espanhol.




Do virtual caindo na real, brotaram, como cogumelos, "Indignados" no mundo, com ressonância maior nos Estados Unidos, que evoluíram para acampamento (Ocupar Wall Street). Para Thomas Coutrot, copresidente do Attac, "é um fenômeno promissor que busca renovar profundamente a forma de participação dos cidadãos na política, que já não querem mais confiar em políticos e partidos; cada um quer ter sua voz. Pode-se dizer que é uma volta às fontes da democracia".

 (Os indignados e a nova época)

Emociona sentir o pulsar da indignação contra as desigualdades sociais. Fascinada pelo novo, vejo e leio tudo com atenção e avidez. Caminham para onde? Bate uma baita angústia...

 (Maiakóvski)

Cá entre nós, compartilho uma angústia caseira e não menos indignada. Recorro a um poeta para expressá-la: "...Ouço então/ o mais calmo dos funcionários/ observar:/ ‘Eles estão em duas reuniões ao mesmo tempo’./ Há vinte reuniões por dia -/ e às vezes mais -/ temos que assistir./ Por isso somos forçados/ a em dois nos dividir!/ Uma metade está aqui,/ a outra/ lá longe./ Não pude dormir, assombrado./ A luz da manhã me colheu estremunhado./ ‘Oh! peço somente uma/ mais uma reunião/ para acabar com tantas reuniões!’" (Maiakóvski (1893-1930), em "O Reunismo").

"Para que servem
conferências de saúde, mulher, igualdade
racial etc., em que
os governos prestem contas do aprovado
nas conferências passadas?"


Banner_3ª_Conferência

Tal é o sentimento de desânimo diante do "conferencismo" ordinário e vulgar aqui instalado para abordar temas sociais mais afetos aos direitos humanos. Longe de mim ser contra espaços de discussões e proposições para garantir direitos! Que fique explícito: não sou contra conferências, mas o uso do formato conferência para "conferencismos" que não nos tiram do amassar "ad aeternum" o mesmo barro.
São conferências que não decidem nada e não mandam nada! Só listam recomendações a que, via de regra, nenhuma autoridade dá a menor pelota - e os conselhos das áreas também "não apitam nada". Desconheço exceções nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal). Talvez existam, mas desconheço.
A indagação é: para que servem conferências (de saúde, mulher, igualdade racial etc.), uma enrabada na outra, sem que nunca os governos (nas três esferas!) prestem contas do "aproveitado" recomendado nas conferências passadas? Pior, é pecado perguntar! Alguém lembra do "GT de revisão da legislação punitiva sobre o aborto", definido pela 1ª Conferência Nacional de Políticas para Mulheres, em julho de 2004? Chore. Lágrimas de açoite... 





Dá comichão ler um relatório final de tais conferências. A mesmice - velhas demandas diante do mesmo "muro de lamentações"! - impera a um ponto que parece xerox do anterior, como se da conferência resultasse um eterno monólogo inútil. E é! O que revela que o conferencismo insulta a inteligência e sequestra a democracia participativa por ser um jogo de faz de conta...

Publicado no Jornal OTEMPO em 18.10.2011
Leia comentários também em: VIOMUNDO  LIMA COELHO
Mapa de campos de Indignados mundo (Ver atualizado no GoogleMap)
 Maiakóvski
O REUNIONISMO
Vladimir Maiakóvski

Mal a noite se torna madrugada
Cada qual ao seu trabalho vai.
 Vão para a “Firma”
 para a Cia.
 para a S.A.
 para a Ltda.
 E nos escritórios desaparecem.

Derrama-se em torrente a papelada
 mal se entra nesses escritórios.
 Procure-se entre cem –
                           o mais importante! –
 os empregados estão sumidos nas reuniões.

[...]
 Na tal reunião
                     entro como um furacão,
abrindo caminho com pragas selvagens,
Que vejo!
                Corpos pela metade, sentados.
Céus!
         Onde estarão as outras metades?
“Decepados!
                    Assassinados!”
Correndo como um louco,
                          ponho-me a gritar.
Diante de tal quadro fico alucinado.
Ouço então
                  o mais calmo dos funcionários
observar:
“Eles estão em duas reuniões ao mesmo tempo”.
 Há vinte reuniões por dia –
e às vezes mais –
temos que assistir.
Por isso somos forçados
a em dois nos dividir!
Uma metade está aqui,
        a outra
                lá longe.
Não pude dormir, assombrado.
A luz da manhã me colheu estremunhado.
“Oh! peço somente uma
                  mais uma reunião
                  para acabar com tantas reuniões!”


Vladimir Maiakóvski [(1922) Vídeo aqui]
FONTE: breviário da autodecomposição


Ver imagem em tamanho grande





(...)
“DORAVANTE NÃO SOU MAIS DONO DE MEU CORAÇÃO!
NOS DEMAIS – EU SEI,
QUALQUER UM O SABE –
O CORAÇÃO TEM DOMICÍLIO
NO PEITO.
COMIGO
A ANATOMIA FICOU LOUCA.
SOU TODO CORAÇÃO –
EM TODAS AS PARTES PALPITA.”
(...) Maiakóvski, in Adultos


VLADÍMIR VLADÍMIROVITCH MAIAKÓVSKI, nasceu a 7 de julho de 1893, na aldeia georgiana de Bagdadi, que hoje tem o seu nome. a 19 de julho, pelo novo calendário. O próprio Maiakóvski informa:
 "Nascido a 7 de julho de 1894 ou 1893. A opinião de minha mãe não coincide com os documentos de meu pai. Antes, com certeza, não nasci".
 

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Maiakovski, mítico poeta da revolução
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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Stéphane Hessel, o embaixador ético e político da indignação

A indigação num “best-seller”

7 janeiro 2011


A venda de "Indignai-vos!", de Stéphane Hessel, já ultrapassou os 500 mil exemplares. Aos 93 anos, este filósofo e antigo resistente faz um apelo ao envolvimento social e político em nome da emoção suscitada pelas injustiças.

Um casal à volta dos sessenta, com ar de professores reformados, chega a correr mesmo em cima da hora de fechar: "Tem o livro de Stéphane Hessel?” "Está ali um monte deles”. Um grande suspiro de alívio: pelos vistos, tinham. Um outro livreiro conta que alguns clientes compram por atacado: "Levo dez, para oferecer aos meus amigos”. Esta cliente pergunta na caixa: "Para que associação reverte o dinheiro das vendas?"
Publicado há dois meses, Indignai-vos!, de Stéphane Hessel, teve um êxito fulminante: 500 mil exemplares vendidos, dez edições e pedidos de tradução no mundo inteiro, da Turquia ao Brasil, da Polónia ao Japão.

Uma emoção coletiva

Sendo uma brochura de umas vinte páginas a três euros, este êxito não é tanto uma receita editorial milagrosa, mas sobretudo um fenómeno social. Da mesma maneira que trauteamos uma música e recomendamos um filme aos nossos amigos, Indignai-vos! cristaliza o espírito de uma época. Comprar esta brochura é um ato militante, um gesto de comunhão, a participação numa emoção coletiva. O objetivo, numa sociedade esgotada pelos altos e baixos da finança mundial e seus efeitos sociais, é encontrar palavras para dizer que a sociedade se ressente.
Quando escreve: "A atual ditadura internacional dos mercados financeiros […] ameaça a paz e a democracia", Stéphane Hessel exprime um sentimento largamente generalizado com a autoridade que a sua história pessoal lhe dá.
Depois do fracasso do alter mundialismo, uma vasta franja de opinião procura um meio para dar a conhecer que não quer viver num mundo onde uns enriquecem ao mesmo ritmo a que outros empobrecem. Acabou de encontrar um. Embora os seus leitores reúnam diversos ativistas de esquerda, Stéphane Hessel assume claramente a herança social-democrata.
Quanto ao resto, no seu texto, Hessel mantém uma grande moderação. Ao estabelecer uma comparação com a Resistência, pretende desde logo diversificar: "As razões para se indignar podem parecer atualmente menos claras, ou o mundo demasiado complexo. Quem manda, quem decide? Nem sempre é fácil distinguir as correntes que nos governam. Deixámos de ter contacto com uma pequena elite cujas atitudes compreendíamos claramente. É um vasto mundo, que sabemos bem ser interdependente."
E embora se coloque sob a autoridade do programa económico do Conselho Nacional da Resistência, não afirma conhecer soluções: "As propostas que figuram neste texto e os desafios que designo não são muito originais em si mesmos", reconhece.

A indignação é por si só um valor?

Resta o título, Indignai-vos!, slogan eficaz, mas ambíguo. A indignação é a chave do compromisso, repete Hessel, eliminando outros motivos que pudessem conduzir à ação política: tomada de consciência, decisão racional, desejo de servir, amor à justiça, ou à verdade …
Com este apelo à indignação, Hessel, infelizmente, alinha pelo diapasão de uma época dedicada ao espetáculo das emoções. A filósofa Hannah Arendt já havia analisado estes perigos ao provar como a "política da piedade", baseada na emoção suscitada pela miséria alheia, poderia prejudicar uma verdadeira "política da justiça". Será que uma "política da indignação" não irá correr o mesmo risco? Será a indignação por si só um valor?
Houve uma época em que o sonho dos avant-gardes das artes e dos contestatários era chocar a burguesia: a indignação era assim uma reação de direita. De A Velha Senhora Indigna, um conto de Bertolt Brecht, eis que passamos assim ao "velho senhor indignado".

                   Biografia

O século XX num só homem

Stéphane Hessel publica Indignai-vos! no final de uma vida fabulosa, que abrange quase toda a História do século XX. Nascido em 1917, em Berlim, numa família de judeus (mas parcialmente convertida ao luteranismo), chega a França em 1925, naturaliza-se em 1937 e entra para a Normale Sup em 1939. Mobilizado, prisioneiro, consegue fugir e junta-se ao general De Gaulle, em Londres. Enviado para França, em 1944, é preso e deportado para Buchenwald, onde dissimula a sua identidade para escapar à forca. Foge mais uma vez, é capturado, salta de um comboio, junta-se aos soldados americanos…
No dia da Libertação, entra para o Secretariado-Geral da ONU e participa na redação da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Galardoado com o título de "Embaixador de França" pela esquerda, em 1981, dedica-se, na reforma, à luta pelos "sem papéis" (serviu de mediador por ocasião da ocupação da Igreja de São Bernardo, em Paris) e, mais recentemente, pelos palestinianos, associando-se inclusivamente à campanha de boicote aos produtos israelitas.
Promovido a Grande Oficial da Legião de Honra, em 2006, Stéphane Hessel dá ares de velho senhor à moda antiga. Afável, sedutor, extremamente cortês, não há nada que mais o encante do que levantar-se da mesa no final de uma refeição e recitar Baudelaire ou Paul Verlaine. Mas também não menospreza o prazer da política: figurou, o ano passado, em posição não elegível, nas listas da Europe Ecologie, e continua a ser militante do PS – atualmente, apoia Martine Aubry [para as eleições presidenciais de 2012], de quem é amigo.
Eric Aeschimann, Libération (excertos).
FONTE:  presseeurope
 
"Indignai-vos", diz Hessel
04/10/2011, Hugo Almeida
A ecologia, o terrorismo e o fosso entre os muito ricos e os muito pobres são os três desafios que a Humanidade enfrentará nas próximas décadas, afirmou o ex-diplomata Stéphane Hessel, um homem que diz "Lutei contra Hitler. E venci."
A propósito da publicação em Espanha da autobiografia "Danse avec le siécle", editada originalmente em 1997, Stéphane Hessel, atualmente com 93 anos, falou dos desafios da Humanidade para os próximos tempos e reforçou o apelo para que os cidadãos se empenhem numa mundança.
 "Nunca devem desanimar", apelou.
 Stéphane Hessel nasceu em Berlim em 1917, mas cedo foi viver para França com a família, tendo obtido a nacionalidade francesa. A origem judaica obrigou-o a abandonar o país aquando da ocupação nazi, para se juntar à Resistência liderada por De Gaulle em Inglaterra.
 Em 1944, foi preso em território francês e enviado para campos de concentração nazis, de onde conseguiu evadir-se. Após o fim da guerra, iniciou uma longa carreira diplomática e representou a França junto das Nações Unidas.
 Stéphane Hessel é o único redator ainda vivo da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948.
 Em 2010 publicou o pequeno manifesto "Indignai-vos", um sucesso de vendas traduzido para 25 países, incluindo Portugal. Só em França, o livro vendeu mais de dois milhões de exemplares.
 A autobiografia que publicou em 1997 foi agora editada no mercado espanhol e a esse propósito recordou a longa vida à agência Efe.
 "O mundo é menos injusto hoje do que quando eu era jovem, mas ainda continua injusto", lamentou.
 Quase a completar 94 anos, Stéphane Hessel recordou os tempos em que foi enviado para os campos de cooncentração, onde assistiu "ao horror absoluto", e o dia em que, no 27º aniversário, escapou à forca trocando de identidade como um homem que tinham morrido de tifo.
 A tábua de salvação terá sido o optimismo, a alegria de viver e a poesia, que pode recitar "aos camaradas em alemão, inglês e francês".
 Tanto nos campos de concentração como nas fileiras da Resistência, Stéphane Hessel orgulha-se de dizer hoje: "Lutei contra Hitler e fui eu que ganhei".
 Aos 93 anos, Stéphane Hessel desvaloriza o facto de estar indicado para o Nobel da Paz e diz-se sossegado perante am morte, porque é alguém que aproveitou bem a vida e foi muito feliz.


Dalai Lama e Stephane Hessel

Stéphane Hessel, o embaixador da indignação
DE SÃO PAULO
13/02/2011-08h00

"NOVENTA E TRÊS anos. É a derradeira etapa. O fim não está longe."
A despeito do que pode sugerir a abertura de "Indignez-vous" ("Indignai-vos", Indigène Éditions), de Stéphane Hessel, a nova coqueluche da esquerda francesa não é a constatação nostálgica de uma vida que chega ao final, mas um convite à indignação.
Segundo sua editora, Sylvie Crossman, "ele convida à não cooperação com a financeirização do mundo, prega a desobediência civil a leis e reformas injustas, como a recente das aposentadorias".
Com o panfleto de 32 páginas que lançou em outubro, ao módico preço de 3 euros (menos de R$ 8), o nonagenário embaixador se transformou numa zebra da lista de mais vendidos francesa: já vendeu 1,3 milhão de exemplares, deixando para trás o prêmio Goncourt 2010, "La Carte et le Territoire" (O Mapa e o Território), romance de Michel Houellebecq.
O que poderia ser um fenômeno tipicamente francês --uma diatribe indignada contra a reforma do Estado e o capitalismo financeiro-- começa a transbordar pelas fronteiras da Europa.
Há edições previstas em Portugal, na Espanha (em espanhol, basco, catalão e galego), em países do Leste europeu, na Turquia, na Escandinávia,
na Coréia do Sul. No Brasil, deverá sair pela editora Leya, ainda sem previsão de data.

Em 23 de fevereiro, a revista semanal americana "The Nation" deverá publicar
o texto na íntegra (depois será lançado em livro).


FENÔMENO UNIVERSAL
"Ele vai se tornar um fenômeno universal porque a mensagem de Hessel é universal", diz Sylvie Crossman. Para ela, o autor é comparável ao líder indiano Mahatma Gandhi. "O embaixador Hessel é um homem livre, um partidário da não violência."
O engajamento do embaixador na causa palestina foi motivo de uma recente polêmica, quando uma conferência sua na École Normale Supérieure, um dos templos
da intelectualidade francesa, foi cancelada.

Num manifesto publicado no jornal "Libération" em janeiro, o filósofo Alain Badiou apontou como origem do cancelamento pressões do Conselho Representativo das Instituições Judaicas da França e de intelectuais como os filósofos Bernard-Henri Lévy e Alain Finkielkraut, de perfil direitista.
Em seu livro, Hessel defende as conquistas sociais trazidas pela Resistência logo depois da Segunda Guerra, como a previdência social, com um argumento simples: "Como pode haver falta de dinheiro hoje para manter e prolongar essas conquistas já que a produção de riquezas aumentou consideravelmente desde o fim da Guerra, quando a Europa estava arruinada?".
A política francesa de imigração,com "expulsões e suspeitas contra os imigrantes", também está na sua mira.

REAÇÕES
À direita, a reação ao panfleto de Hessel veio rápido - e de cima, o que prova que sua mensagem está longe de ser o benigno canto do cisne de um decano da esquerda gaulesa.
Embora o governo não seja explicitamente citado, o primeiro-ministro François Fillon, alinhado com o presidente Nicolas Sarkozy, vestiu a carapuça e saiu de sua habitual reserva para criticar: "A indignação pela indignação não é um modo de pensamento", disse ele no começo do ano.
À esquerda, a auto intitulada "insurreição pacífica" de Hessel parece trazer esperança para vencer os impasses de socialistas e comunistas franceses.
O embaixador está em todas as causas "subversivas" da França de hoje: a defesa dos sem-teto, dos imigrantes ilegais e da Palestina.
Engajou-se também no front ambiental, apoiando a candidatura do ex-líder de Maio de 68 Daniel Cohn-Bendit e de José Bové, líder agricultor antiglobalização, para o Parlamento Europeu de 2009, numa chapa verde.
Fez isso, segundo disse num comício, "para ver surgir uma esquerda impertinente que tenha peso na realidade política".
Num ponto, entretanto, Hessel concorda com Nicolas Sarkozy: "O ideal seria que o ex-presidente Lula se tornasse secretário-geral da ONU ", disse ele à Folha, ecoando as palavras do mandatário francês durante uma reunião do G-20 em Pittsburgh, nos EUA.
"Esse cargo é perfeito para ele", disse Hessel. Dilma Rousseff também o empolga: "Quem sabe ela não possa aprofundar as reformas sociais de Lula?".
Hessel vibrou quando a diplomacia brasileira reconheceu o Estado Palestino, gesto logo imitado por outros países sul-americanos.

AÇÃO
"Ele é de um otimismo e de um entusiasmo incríveis, sem ser ingênuo, nem utópico. Seu otimismo o leva à ação", garante a franco-suíça Christiane Hessel, 83, sua segunda mulher e companheira "full time".
Durante o encontro com a Folha, o telefone não parou de tocar com pedidos de entrevistas. O "Monsieur Droits de l'Homme" (Sr. Direitos Humanos), como o apelidou a imprensa, teve uma vida movimentada, conforme narrou o jornalista Jean-Michel Helvig no livro "Citoyen Sans Frontières" (Cidadão Sem Fronteiras, Fayard) e no
documentário alemão "Der Diplomat" (1994), de Antje Starost.

Membro da Resistência durante a Segunda Guerra Mundial, foi preso e torturado pela Gestapo, tendo sido enviado para os campos de concentração de Buchenwald e de Dora-Mittelbau.
Com o fim da guerra, participou da equipe de redatores da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), ao lado do brasileiro Oswaldo Aranha, do qual não tem lembranças específicas, embora ressalte sua importância.
Nascido em Berlim, em 1917, naturalizado francês vinte anos depois, Hessel é filho do romancista alemão Franz Hessel, de origem judaica, e de Helen Grund, de família protestante.
Em 1924, Helen deixou a Alemanha com o filho para viver na França com o escritor Henri-Pierre Roché. Franz e Henri-Pierre amavam a mesma mulher e com ela formaram um triângulo amoroso, eternizado no romance autobiográfico "Jules et Jim" e sobretudo na adaptação cinematográfica de mesmo nome, dirigida por François Truffaut (1962).

No filme, o filho de Helen (Jeanne Moreau) é uma menina, o que Christiane Hessel considera "bizarro". Em quase um século de vida, o diplomata se casou duas vezes: com a primeira mulher, teve dois filhos, Antoine e Michel, e uma filha, Anne,
todos os três médicos em Paris.


INTOCÁVEL
Hessel não é um embaixador francês comum, observa o secretário dos Direitos Humanos do governo FHC, Paulo Sérgio Pinheiro, "mas tem esse título, essa honraria que poucos têm, isso lhe dá um ar de 'intocável'".
Tão intocável que, durante uma viagem a Gaza e à Cisjordânia em 2002, a convite de pacifistas israelenses, logo depois da segunda intifada (levante palestino), cada vez que o ônibus era parado num "check point" na estrada para Ramallah, Hessel se levantava e declamava versos de seus poetas românticos preferidos, em alemão, em francês e em inglês. Quem lembra é Martin Hirsch, político francês de origem judaica que estava no grupo de 11 intelectuais franceses.
Desde aquela viagem, Hessel tornou-se um ardoroso defensor do Tribunal Russell para a Palestina (russelltribunalonpalestine.com), iniciativa da Fundação Bertrand Russell para a Paz, que procura defender as resoluções da ONU e promover a paz e a justiça no Oriente Médio.
O embaixador vai doar 100 mil euros dos direitos autorais do livro para o pagamento de juristas que trabalham no tribunal.

SEGREDO
Qual é o segredo de um livro de 30 e poucas páginas vender 1,3 milhão de exemplares em poucas semanas?
Para Paulo Sérgio Pinheiro, o êxito de Hessel foi "retomar o programa e os valores da Resistência da França depois da derrota do regime fascista de Vichy, momento de reconstrução da democracia democracia francesa, agora no século 21, numa conjuntura política em que o governo Sarkozy revigora o racismo, escorraça os imigrantes, persegue os ciganos, encarcera crianças em centros de detenção".
Pinheiro conheceu o embaixador em Bujumbura, capital do Burundi, em 1998, ambos em missão diplomática. A TV franco-alemã filmava um documentário sobre os 50 anos da Declaração Universal.
Num clima tenso, a comitiva e a equipe de filmagem jantavam ao ar livre, com o hotel sob ameaça de invasão pelos rebeldes. "Na sobremessa", lembra Pinheiro, "Hessel pediu licença para recitar 'Les Chimères', de Gérard de Nerval... e depois uns sonetos de Shakespeare. Todos nós ficamos maravilhados".

FONTE: Folha.com

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Sobre o controle social e ético da liberdade de expressão


É um direito de cidadania, mas há limites democráticos
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_

Das duas, uma, ou nenhuma: sou insana e quem pensa diferente é saudável; ou sou uma "sana" ilhada - cercada de insanos por todos os lados. Como as duas premissas são impossibilidades, decidi filosofar sobre o furdunço polissêmico em que tentam colocar a liberdade de expressão... Ora, liberdade de expressão não comporta polissemias (do grego poli = muitos e sema = significados)!

A presidenta Dilma Rousseff, em discurso nos 90 anos da "Folha", disse: "A multiplicidade de pontos de vista, a abordagem investigativa e sem preconceitos dos grandes temas de interesse nacional constituem requisitos indispensáveis para o pleno usufruto da democracia, mesmo quando são irritantes, mesmo quando nos afetam, mesmo quando nos atingem. E o amadurecimento da consciência cívica da nossa sociedade faz com que nós tenhamos a obrigação de conviver de forma civilizada com as diferenças de opinião, de crença e de propostas" (FSP, 21.2.2011).
A liberdade de expressão é um direito de cidadania. Há limites democráticos, pois democracia não é anarquia, até para falar, sem que seja, a priori, censura, tal como o senso comum crê: um gesto ditatorial. Em tudo que prejudique direitos humanos de um setor social - caso de publicidade e novelas machistas - cabem limites, isto é, civilidade; e também marketing social.


Quem defende
as liberdades democráticas nunca
fala a mesma língua de quem um dia
sufocou-as, até quando
usa as mesmas palavras.




Quem diz o que pensa, o que quer e quando quer, precisa saber que, numa sociedade democrática e plural, é essencial ter em conta as diferentes moralidades, adotando a prática de deferência à alteridade (colocar-se no lugar do "outro") ao falar, pois cada pessoa - falo o conceito de pessoa, e não o de seres humanos, pois há seres humanos e pessoas... - é totalmente responsável por seus atos e palavras, inclusive a escrita. Eis os limites.
À ampla liberdade de expressão corresponde absoluta responsabilização pelas opiniões emitidas. Todavia, muita gente, equivocadamente, só entende a liberdade de expressão em sua face direito de dizer - falar e agir como bem lhe aprouver, fazendo de conta que a responsabilidade por palavras e atos significa sempre censura descabida.
A censura não se apresenta abstratamente, pois na real é ela e suas circunstâncias. Pelo nosso passado de uma ditadura militar de triste memória, a tendência de quem ama a liberdade, aparentemente, é a mesma dos que a odeiam: achar que o conceito de censura é sempre aquele que a ditadura militar nos impôs. É uma distorção conceitual.




Os amantes da liberdade, porque foi a censura da ditadura quem usurpou suas vozes e até vidas, e os que a odeiam, muitos coparticipantes dos tempos de arbítrio, porque querem esculhambar, acusar e julgar sem provas pessoas e governos; fazer linchamento moral público, só na base de acusações; e não querem ser chamados à responsabilidade, jamais!
Não é um imbróglio. Tem nome: safadeza conservadora autoritária. E tem sido praticada pelas viúvas e os viúvos da ditadura militar de 1964 e seus sequazes, sempre a postos para confundir pessoas incautas. Quem defende as liberdades democráticas nunca fala a mesma língua de quem um dia sufocou-as, até quando usa as mesmas palavras.


 É preciso um razoável repertório de malícia, perder a crença nas pedras de sal, para não ser embromado e apreender que o respeito à alteridade é condição indispensável ao fortalecimento da democracia, que não pode prescindir do controle social e ético da liberdade de expressão ao elaborar um novo contrato social que assegure as liberdades democráticas.

FOTO: Duke
Publicado no Jornal OTEMPO em 11.10.2011